Gustavo Jaccottet

Um Rei sem sucessores

Por Gustavo Jaccottet
Advogado
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Não vi o Rei jogar, então precisei de fontes. Vi cerca de cem gols no YouTube e li a crônica "A realeza de Pelé", de Nelson Rodrigues. Separemos Edson Arantes do Nascimento de Pelé. Há um báratro, duas coisas que habitam planos diferentes.

Foi idílico pensar que num outro plano Cruyff cavou um espaço e o Rei indicou que Mané fosse acionado, que marcado por quatro brutamontes, dribla-os buscando Maradona. O D10S gentilmente passa a Puskas, o qual vê Pelé à meia-lua, porém decide tabelar com o holandês que abriu aquele rombo à defesa e pifou para Pelé. Num só drible tirou Yashin do prumo. Pelé estufou as redes de Wembley, que veio abaixo.

Ele marcava, atacava, passava, cabeceava. Foi o melhor ponta, meia, atacante e até zagueiro de todos os tempos. Nem o mais apaixonado pelos Lakers ousa dizer que Kobe mereceria vestir a 23 se nos Bulls jogasse.

Nelson Rodrigues, impressionado com o craque que vira pela primeira vez no jogo América x Santos assustou-se ao saber que tinha apenas 17 anos. Cito: "Ha´ certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas e´ a de Pele´. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: _ verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: _ ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica ha´ de ofuscar toda a corte em derredor".

Coroou-o logo em seu primeiro texto sobre o Pelé. A bola havia-o escolhido e fê-lo não craque, senão um Rei que parou uma guerra. Sua capacidade era interminável. A articulação para a sua ida ao Cosmos de Nova Iorque foi feita por Henry Kissinger, a quem meu pai costuma dizer: esse era o cara. Kissinger era o diplomata mais importante dos Estados Unidos nos anos 70, tinha uma linha direta com os soviéticos e atuou para colocar fim aos conflitos na Ásia. Por que se preocuparia com Pelé? O próprio Pelé confirmou esta versão em seu Twitter. Kissinger vira que só um jogador infinito, a quem Nelson apostaria a sua cabeça se visse alguém semelhante a ele, popularizaria o futebol por lá.

Todos os pernas-de-pau que viu o reverenciavam. Mesmo quando perdemos em 1966, cumprimentou os portugueses. Depois da maior decepção do Brasil em todas as Copas, tornou-se um ciborgue e ao que seria uma simples formalidade burocrática, a camisa 10, de 1958 em diante passou a ser cobiçada. A camisa 10 ganhou um sentido, como é a 23 de Jordan. Ninguém mais mereceria tê-la, somente quem lhe é o dono por merecimento. Platini, Zidane, Maradona, Lionel, Ronaldinho, Modric, dentre outros, aqueles a quem a bola escolhe. Uma mera casualidade do 10 um ícone universal. O craque sempre a merece. A vaidade, todavia, força com que jogadores guerreiem por ela. Neymar, ainda, não é seu merecedor, o que também vale a Mbappé. Cruyff jogava com a 14, Di Stéfano usava a 9 e Garrincha vestia a 7, porém todos poderiam desfilar com uma camisa 10.

Este Rei que se foi não deixou herdeiros. Sua coroa ficará para sempre vaga e a camisa 10 deveria ser aposentada para todo o sempre. Porém, o seu dono por origem deseja que ela continue desfilando em campo, provável para que dele nunca se esqueçam. A camisa 10 será sinônimo de Pelé, portanto, seja feita a sua vontade.

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