Luciano Luz de Lima

Vamos preparar, sem ilusão

Por Luciano Luz de Lima
Advogado, mestre em Ciência Política, secretário de Assuntos Internacionais do PT/RS
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São diversas as músicas cujas letras inspiram e/ou traduzem sentimentos e lógicas da luta social. Há essa intima relação, expressa num eterno círculo de ora ser imitada e ora imitar, entre a arte e a vida em todas as suas dimensões, mas em especial aqui, para essa reflexão, na dimensão política e social.

Uma dessas músicas de letra e melodia inspiradoras, que sempre me tocou, emocionou e por vezes até encorajou, é "Semeadura", de Vitor Ramil. Ao meu ver, uma obra-prima desse gênio artístico que não só tem seu trabalho como objeto de deleite cultural dos que o apreciam, como sua obra também foi objeto de estudiosos e intelectuais como o professor Luis Rubira.

Mas a intenção aqui não é tecer uma ode de elogios ao compositor e escritor pelotense, embora ele mereça, mas destacar o que um trecho de "Semeadura" nos diz sobre o atual momento da vida política do País, aos olhos daqueles que primam pelas ideias de liberdade e igualdade social. A letra de "Semeadura" é toda um conclamar à construção de um mundo justo. Soa como um hino aos que vão à batalha, em todos os sentidos que isso possa ter. Um cantar de esperança dos que persistem firmes na ideia de pão, paz e terra para todos. No entanto, para mim, nessa quadra da história, seu trecho mais relevante é: "Nós vamos preparar, companheiro / Sem ilusão / Um novo tempo, em que a paz e a fartura / Brotem das mãos…".

Preparar porque estamos distantes da paz e justa distribuição da fartura desejadas. Mas, com a vitória de Lula, renasceu a esperança de alcançarmos essa condição, que não é só possível, como já foi diversas vezes tentada e, infelizmente, interrompida por toda sorte de golpes e repressões por parte daqueles que se locupletam de riquezas imorais decorrentes da exploração vil do trabalho da grande maioria do nosso povo.

E vamos preparar "sem ilusão" porque o cenário local e mundial é hostil ao nosso intento. A crise da economia mundial lançou frações da elite econômica à aventura fascista. Os povos estão sendo submetidos em todo o globo ao aumento da superexploração do trabalho para garantir a liquidez do capital fictício. No Brasil, a força da classe trabalhadora sob a liderança de Lula derrotou a sequência do golpe, mas há um cerco de fascistas derrotados e chantagistas do mercado e seu monopólio midiático. Estamos longe de uma revolução popular e democrática. Portanto, o governo de Lula terá que navegar sobre tremendas contradições, que não podem nos desanimar.

Porém, não podemos também ter a "ilusão" de que as adversidades para construção de um novo tempo serão superadas pelo mero jogo político das negociações, pela mera habilidade do timoneiro. Sem uma alteração da hegemonia política e cultural que resulte em muita mobilização popular, os possíveis avanços no atendimento às necessidades de nosso povo serão barrados ou brutalmente reduzidos. As organizações populares e todos os que se dispõem a contribuir nessa semeadura terão que encontrar a medida de pressionar/apoiar o governo Lula, sabendo que a colheita se estenderá pra além desse momento.

O preparo será árduo e não pode guardar ilusões de nenhum tipo. Mas como também diz a letra da música que inspirou esse modesto texto: "Nós vamos prosseguir companheiro / Medo não há...".​

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