Rubens Amador

Vitória no tribunal

Conheci durante minha vida grandes personalidades aqui em nossa cidade. Mas nenhuma como a do Dr. José Gonçalves Chaves, perfeito cavalheiro, capaz de honrar sua palavra dada à outra parte, mesmo tendo perdido causa sua em um tribunal.

Minha mãe era inquilina de uma casa na parte de baixo de um grande sobrado, propriedade do Dr. José. Até que em 1955 ela veio a falecer. O Dr. José Gonçalves Chaves (a rua com seu nome vem devido a seu avô) era um engenheiro ferroviário e, por ser uma pessoa que morava em cima do prédio que minha mãe locava, passou a conversar comigo, eu então apenas um jovem. Porém eu gostava muito de falar sobre sua profissão, pois sempre adorei os trens e tinha inclusive um brinquedo que circulava por trilhos através da eletricidade. Mostrei-lhe o dito e ele disse-me que se tratava da cópia de um determinado modelo que ainda trafegava muito pelo Rio de Janeiro. Passamos a dialogar sobre tudo e ele se fazia apreciar por sua conversa simples com um moço como eu, tratando-me com muita consideração.

Então, cavalheirescamente, chamou-me certo dia, após cerca de dois meses após minha mãe falecer, e disse-me: "Rubens, hoje vamos tratar de um assunto que nos une. Você sabe que duas pessoas quando têm entre si uma diferença muito grande sobre determinado tema, civilizadamente, procuram colocar entre os dois um juiz que irá dar a causa a quem tem razão, e o outro, democraticamente, aceita a sentença dada. Com o falecimento de sua mãe, entendo que a locação termina, pois era ela a inquilina. Dou-he minha palavra de que se o suiz decidir a seu favor, isto é, que continue com a locação tal como está, não mais falarei no assunto. Espero que entenda que de qualquer forma isto não vai alterar nosso relacionamento".

Ante tal pessoa, disse-lhe que assegurava que respeitaria também a decisão judicial imediatamente. Dias depois, recebo a notificação do Foro. Tremi quando vi o nome do advogado da parte impetrante. Era nada menos que o Dr. Alcides de Mendonça Lima, um dos maiores advogados da época, eminente professor da nossa universidade. Às tantas horas eu deveria - com meu advogado - ir à sessão no Foro, que a questão estava para ser julgada. No dia marcado compareci - sozinho -, enquanto há alguns metros estavam, para me constranger, pessoas proprietárias da casa e o Dr. Alcides de Mendonça Lima.

Quando foi chamado meu nome, compareci à frente do senhor juiz, que era o Dr. Mário do Canto. Então, falei-lhe: "Meritíssimo, compareço sozinho nesta demanda por não ter dinheiro para contratar um advogado. Então V. Exa. pode dar aos postulantes sentença favorável". Pois ele surpreendeu-me quando disse: "Quero ouvi-lo". Então, apresentei-lhe a minha tese para continuar na locação. Achava que, por ser filho da falecida locatária, herdaria a locação por entender que se tratava de uma sub-rogação. Estudante apenas, morava há muitos anos naquela casa desde criança. Algumas peças estavam sub-alugadas e, com este modesto dinheiro, eu ia levando a vida. Pois, para surpresa minha, a tese que defendia foi superior à do grande advogado da outra parte, dando-me o Dr. Mário do Canto sentença favorável. Minha tese estava dentro da Lei. E aqui, o mais importante: o Dr. José Gonçalves Chaves passou a me tratar como prometera. Jamais me constrangeu ante minha vitória. Sendo eu o vencedor do pleito, sua senhoria continuou absolutamente o mesmo comigo. E fiquei na casa por cinco anos com a mesma locação.

Pouco antes dos anos 60 o Dr. José faleceu. Ao cabo dos quais o Dr. Alcides de Mendonça Lima mudou a tática e mandou fazer uma planta, aumentando a capacidade de utilização do prédio, e então com esta forte razão teve ganho de causa desta vez. Conforme prometera, imediatamente mudei-me. Mas o que nunca consegui esquecer foi daquele grande cavalheiro culto e sincero, o Dr. José Gonçalves Chaves, que partiu sem tomar conhecimento da vitória de um entendimento seu, que ia ao encontro do seu desejo, afinal.

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