Cerimônia

UFPel faz homenagem póstuma a mestra griô

Sirley Amaro, que morreu há dois anos, será reconhecida na tarde desta sexta-feira (25) como Doutora Honoris Causa

Arquivo pessoal de Felipe Martins - Doutoramento foi uma solicitação do GIPNALS

Nesta sexta-feira às 17h em cerimônia póstuma a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) outorga o título de Doutora Honoris Causa à griô Sirley Amaro, que morreu em 28 de outubro de 2020. Depois de mais de dez anos compartilhando histórias e memórias do povo negro em Pelotas a mestra receberá o reconhecimento acadêmico por sua contribuição aos projetos e programas da Universidade, especialmente relacionados às Narrativas Populares. A cerimônia ocorrerá na Bibliotheca Pública Pelotense, às 17h. O evento é público e integra a Semana da Consciência Negra no município.

A costureira pelotense, reconhecida pela naturalidade com que relatava as histórias vividas desde a infância, na primeira metade do século 20, e mesmo antes dessa fase da vida. Eram lembranças não vividas, mas absorvidas na convivência com tantos outros. Memórias ancestrais dos pretos e pretas que ela guardou e não se negava a compartilhar, sempre com entusiasmo e, se pudesse, com alguma musicalidade.

Características que a levaram a ser reconhecida pela comunidade como fonte oral sobre a vida social e cultural dos negros no meio urbano de Pelotas. Posteriormente foi elevada a mestra griô em 2006, juntamente o amigo Neives Meirelles Batista, o Mestre Batista, que morreu em 2012, pelo programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura.

Os nomes dos pelotenses foram encaminhados pela UFPel e aprovados pelo MinC. No município a Ação Griô foi abrigada pelo Ponto de Cultura Chibarro Mix Cultural, financiado pelo mesmo Ministério e que ficou sob a guarda da Universidade. O Ponto de Cultura era coordenado na época os professores Eliane Pardo e Paulo Sérgio Medeiros Barbosa.

Atuação no GIPNALS

A partir deste reconhecimento Sirley teve sua atuação vinculada ao Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Narrativas, Arte, Linguagem e Subjetividade (GIPNALS/UFPel) ligado a Faculdade de Educação, que trabalha as narrativas populares. "Ela tinha um trabalho grande junto com a gente, na pesquisa, ensino e extensão, também junto ao PET Fronteiras - Saberes e Práticas Populares", fala a professora Denise Bussoletti, que em 2019 levou o nome da griô ao Conselho Universitário, propondo o título.

A reitora, Isabela Fernandes Andrade explica que a partir deste encaminhamento, a documentação apresentada foi analisando e a administração da UFPel propôs a concessão do título por entender preenchidos todos os requisitos necessários à concessão da mais alta honraria da Universidade. "O conselho superior apreciou e aprovou a concessão do título em 6 de dezembro.

A outorga seria realizada em março de 2020, porém a pandemia de covid-19 fez com que os planos fossem adiados. Entusiasmada e otimista, a griô queria que o evento fosse festivo com a realização de um cortejo após a celebração. Infelizmente ela não chegou a receber a honraria em vida.

A professora Denise diz que esse título é um marco na história da Universidade e, além de um reconhecimento, é também uma forma de manter vivo no Grupo o compromisso com o legado de Sirley. "São várias ações que vão resultar a partir disso. Esse doutoramento abre a porta para o desenvolvimento de um projeto de real valorização do saber popular dentro do espaço universitário, a partir da incorporação desses mestres da cultura. É isso que a gente quer a partir desse título."

Sobre como a academia vê o título, a reitora diz que se trata de um legado muito importante e bastante marcante pela sua trajetória de vida e pela transmissão dos saberes para a comunidade. Sirley, segundo Denise, acompanhou de tal forma o grupo que viu formar uma geração de educadores. "Era bacana ver como ela incorporou essa relação que é tão difícil, que é aproximar a comunidade da Universidade, mas com a dona Sirley foi muito orgânica", lembra a professora. O compromisso, a cumplicidade e a parceria da mestra griô, além de criar uma relação acadêmica criou também uma relação afetiva do grupo com ela. "Ela levava o nome da Universidade, da cidade, a memória da cidade."

Fonte de inspiração

O Educador Musical Felipe Martins, mestre e doutor em Educação pela UFPel acompanhou a griô durante dez anos, até a outubro de 2020. O professor lembra de alguns dos projetos que eles fizeram juntos, como as Vivências Griôs, a Confraria do Fuxico, o Todo 20 é de Zumbi. "Estar ao seu lado durante todo esse tempo foi uma dádiva, pois eu me fiz educador ao seu lado, acredito que muito da minha prática como Educador Musical também se sustenta pelos ensinamentos da Mestra que ficaram mim. Como por exemplo o olhar atento para a Oralidade como forma efetiva de transmissão de conhecimento, uma percepção aguçada para a Musicalidade como eixo de se pensar o mundo, assim como o reconhecimento de que a ancestralidade pode ser entendida como o elo que sustenta nossas relações com o conhecimento", diz.

Martins comenta que toda a pesquisa que desenvolveu na Universidade foi em relacionada a mestra. O Trabalho de Conclusão de Curso na graduação de Música-Licenciatura foi sobre ela (Com agulha, linha e pano vou contando e cantando histórias: a etnopedagogia musical da Mestra Griô Sirley Amaro) e a dissertação de Mestrado em Educação também tematizou a griô (É pela arte toda, pela história de vida: As representações da música nas Vivências Griô da Mestra Sirley Amaro). A tese de Doutorado em Educação, defendida no dia 8 deste mês, também seguiu as reflexões sobre as práticas de Sirley, desta vez como uma discussão sobre o lugar do próprio pesquisador como Griô Aprendiz nesse processo, sob o tema A pedagogia do fuxico: saberes e vivências de um Griô Aprendiz ao ritmo de Sirley Amaro.

Para o educador o título reconhece o papel singular dos mestres e mestras de tradição oral abrindo espaço para que outros sejam reconhecidos por toda sua contribuição. "O título de Doutora Honoris Causa é muito importante para o legado da mestra pois torna efetivo o reconhecimento da Universidade Federal de Pelotas por toda contribuição dela para esta comunidade. Mais ainda esse título reconhece que os saberes que a mestra compartilhou conosco, seja nos corredores e salas da UFPel, ou nos bancos do Mercado público, ou mesmo na praça Coronel Pedro Osório, são saberes que constituem conhecimento e contribuem para a transformação do mundo em um lugar melhor, papel fundamental também da Universidade."


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