Literatura

150 anos após O capital

Setembro marca as 15 décadas do livro do revolucionário Karl Marx; estudantes e professores de cursos como Economia, Ciências Sociais e Sociologia refletem sobre a atualidade da obra

"Livro básico, indispensável para qualquer estudioso de história, economia, sociologia, filosofia e política, seja qual for sua posição ideológica." É como a primeira edição em português de O capital caracteriza a obra do filósofo, sociólogo e revolucionário alemão Karl Marx (1818-1883), disponível nas estantes da Bibliotheca Pública Pelotense. O livro, que teve o primeiro exemplar publicado há 150 anos, deixou profunda marca na história do pensamento ocidental.

Em declaração no prefácio à primeira edição do livro, publicado no dia 14 de setembro de 1867, Karl Marx diz: "A obra constituiu a continuação de meu texto publicado em 1859: Contribuição à Crítica da Economia Política. A longa pausa entre começo e continuação deve-se a uma enfermidade de muitos anos, que reiteradamente interrompeu o meu trabalho". De fato: mergulhado em sua incessante pesquisa sobre a economia política, o teórico jamais terminou sua obra. Publicou em vida somente o primeiro livro. O capital ainda ganharia mais três edições, divididas em seis volumes, textos que se tornaram a base do socialismo-marxista. Os demais exemplares são fruto de suas anotações, organizadas e publicadas pelo amigo e teórico Friedrich Engels até 1894 e a última em 1905, pelo filósofo e teórico marxista Karl Kautsky.

Por trazer uma crítica à ordem capitalista, até hoje a leitura do livro desperta críticas fervorosas. Por outro lado, admiradores tão fervorosos quanto. Fernando Frota Dillenburg, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estuda a obra do revolucionário há 14 anos. Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, ministra uma disciplina específica sobre O capital. Ele explica que Marx foi inspirado pela greve da classe operária em 1844. "Engels levava Marx para as assembleias na Silésia (região histórica dividida entre a Polônia, a República Checa e a Alemanha). Os dois começam a militar no movimento operário a partir desse primeiro contato", conta, fato que teve como consequência imediata a composição de O manifesto comunista, em 1848.

Em tempos em que os 150 anos de O capital são celebrados, reflete-se sobre a atualidade da obra. Para Dillenburg, os conceitos definidos por Marx ainda conversam com o momento econômico político internacional. A crise econômica de 2008, com meses de instabilidade no mercado, por exemplo, tornou o livro atraente mais uma vez. Protestos globais a respeito do aumento da jornada de trabalho e sobre os direitos trabalhistas trouxeram à tona as concepções de Marx. Dillenburg conta que, na data, exemplares do livro esgotaram na Alemanha, tão grande a procura. "Os operadores da bolsa de valores recorreram ao Capital. É muito precisa a análise de Marx sobre a causa das crises e eles precisavam saber disso", afirma.

Teorias e conceitos na visão dos estudantes
Difícil é encontrar alguém que tenha lido a obra do início ao fim, trabalho que parece ser exclusivo a professores e pesquisadores. Leitura complicada e extremamente longa, já que a maioria dos volumes ultrapassa as 400 páginas, O capital é utilizado com maior frequência no ambiente acadêmico. Na Universidade Católica de Pelotas (UCPel) são mais de 50 exemplares do livro - de acordo com funcionários, para leitura de alunos do curso de Filosofia e Teologia. Já na Bibliotheca Pública de Pelotense, entre as seis edições disponíveis no local, a única retirada do livro data de 2012.

Suas teorias são estudadas nas mais diversas áreas do conhecimento, especialmente em disciplinas de Economia, Filosofia, História, Ciências Sociais e Relações Internacionais. Marx é responsável por criar conceitos como o empobrecimento da classe operária, a queda da taxa de lucro, descrições sobre as crises cíclicas e a exploração da força de trabalho. Victoria Ribeiro, 20, aluna do segundo semestre de Ciências Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), estudou esses temas logo no início do curso. Apesar de ter lido apenas parte do primeiro volume, acredita que o livro deve ser reconhecido e estudado. "Têm capítulos específicos que valem a pena. A ideia de valor, troca de mercadoria e superprodução", cita. No entanto, pensa que a academia se prende a clássicos como este ao invés de adaptar o currículo com obras mais atuais.

Também estudante de Economia e membro da direção estadual da União da Juventude Socialista (UJS), Filipe Eich, 21, argumenta que O capital e a obra de Marx em geral não apenas explicam as mudanças nas relações de produção da Europa, mas também apresentam as formas para transformar aquela realidade. "Marx projetou a transformação de desigualdades e de injustiça social para o socialismo, em que os trabalhadores alcançam o poder político. A UJS estuda Marx entre outros autores que teorizaram sobre a construção de um mundo mais justo", afirma.

No Brasil
No Brasil, a disseminação da obra de Karl Marx e a influência nas gerações dos séculos 19 e 20 são responsabilidade de intelectuais e partidos políticos. "Podemos considerar a criação de partidos comunistas entre o final do século 19 e primeiras décadas do século 20, como no caso do Brasil a fundação do PCB em 1922", afirma o professor de Sociologia do Instituto Federal Sul-rio-grandense, Lauro Borges.

Segundo ele, intelectuais da América Latina do período propunham uma interpretação do livro a partir da realidade social do continente. "No Brasil, a obra de Caio Prado Junior (historiador, geógrafo, escritor, político e editor brasileiro) é extremamente importante, por rejeitar esquemas de interpretação prontos sobre a realidade social do país e mergulhar no entendimento das nossas origens." Além da influência dos intelectuais para a disseminação das obras de Marx no continente e no país, o professor lembra "do vigor do Movimento Sindical desde o início do século 20 e dos vários movimentos que foram se fortalecendo ao longo dos tempos, como o Movimento Feminista, o Movimento Negro e o Movimento LGBT, que tiveram forte influência do marxismo em seu desenvolvimento".

A data deve ser comemorada por partidos inspirados nos ideais marxistas. Luís Mattozo, presidente municipal do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), informa que a legenda está organizando um seminário de comemoração estadual, lançado em Porto Alegre no último sábado. Por enquanto não há datas para as atividades em Pelotas. O objetivo é atualizar o estudo de Marx para os dias de hoje. "Resgatar o legado dele é importante para fazermos um contraponto ao período de retrocessos que vivemos", declara.

150 anos depois do lançamento, O capital ainda é uma obra que ainda ressona com os dias atuais?

"Acredito que O capital é a obra que melhor explica as contradições entre as classes. Enquanto houver capitalismo o livro será atual, pois trata da essência do capitalismo, algo que não muda com o tempo. Os trabalhadores continuam a correr atrás de mercadorias a vida toda para sobreviver, já que não produzem por si próprios. Ou seja, são reféns de coisas alheias. Todo problema está em superar esse feitiço. E está contido no Capital um esboço para o caminho." (Fernando Dillenburg, professor de Economia e Relações Internacionais da UFRGS)

"É um livro importante de ser reconhecido e estudado. O problema é que a academia se prende muito aos clássicos e não adapta o currículo para nos ajudar a enxergar de maneira muito mais precisa a nossa sociedade. Têm obras incríveis que não estão nos nossos planos de aula." (Victoria Ribeiro, 20, estudante de Ciências Sociais na UFPel)

"Embora Marx tenha escrito O capital há mais de um século, sua teoria segue atual na medida em que as relações de produção seguem as mesmas. (A obra) foi interpretada e repensada por outros que o sucederam, como Lenin e Gramsci. Esses autores, tal como Marx, projetaram a transformação da realidade de desigualdades e de injustiça social para o socialismo, em que os trabalhadores alcançam o poder político." (Filipe Eich, 21, estudante de Economia da UFRGS)

"A questão da supremacia de uma moeda internacional que dita a economia mundial está presente no dia a dia. Resgatar o legado dele é importante para fazermos um contraponto ao período de retrocessos que vivemos." (Luís Mattozo, presidente municipal do PCdoB)

100 Anos da Revolução Russa
Tão forte foi a influência dos estudos de Karl Marx que impactou, inclusive, a Revolução Russa, cujo centenário também é celebrado neste ano. O processo, iniciado em 1917, representou a derrubada do czarismo e a esperança de construção de um novo tipo de sociedade no país, muito baseada nos princípios de Marx. O evento 100 Anos da Revolução Russa: Reflexões para a Atualidade, organizado pelo Instituto Mário Alves (IMA) em Pelotas, pretende discutir esses aspectos com participação de palestrantes do Estado e de outras partes do país. A programação teve início ontem e vai até a próxima quinta-feira.

As inscrições são pagas e devem ser realizadas através de preenchimento do formulário on-line disponível no evento (clique aqui) ou pessoalmente na sede do IMA, rua 15 de Novembro, 501, de segunda a sexta-feira, das 12h30min às 19h. Mais informações pelo telefone (53) 3025-7241.

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