Oportunidade
Ensino superior ainda é um desafio para pessoas trans e travestis
Em alusão ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, o DP traz um olhar sobre os desafios do ensino superior para a comunidade
Divulgação Furg - DP - Em 2023 a Furg passou a obrigar a informação do gênero na hora da matrícula
Menos do que 1%. Essa era a porcentagem de pessoas trans e travestis no ensino superior público brasileiro em 2018, conforme a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Neste mesmo ano, Luis Domingues, 63, foi o primeiro homem trans a se formar na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Os desafios da trajetória, divididos com o Diário Popular em alusão ao Dia Nacional da Visibilidade Trans, foram muitos - mas as conquistas foram recompensadoras.
Bacharel em História, Domingues lembra que por muito tempo pensou não pertencer ao ambiente acadêmico. "Saí cedo da escola justamente por conta da transfobia e porque precisava dar um jeito na minha vida. A escola deixou de ser um espaço que eu frequentava normalmente. Voltei em 2013 para me preparar para o Enem e, para minha surpresa, fui aprovado em 3º lugar", relembra. Antes disso, trabalhava como chefe de cozinha.
Na graduação, foi bolsista de pesquisa na área de sexualidade e gênero e nunca reprovou. No entanto, não foi fácil a vivência universitária. Domingues, além de desafiar os números de pessoas trans na graduação, também desafia outro dado. No Brasil, a expectativa de vida das pessoas trans é de apenas 35 anos. "Fui descobrindo que dentro desse ambiente acadêmico, apesar de existirem algumas ações afirmativas, outras questões me atravessaram. Uma delas foi o etarismo. As pessoas trans e mais velhas não são vistas no ensino superior. Vivenciei isso em toda a graduação", observa ele, que tinha 58 anos quando se formou.
Ações afirmativas
Além de bacharel em História, Domingues é, atualmente, estudante de Arqueologia, também na Furg, e coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat). Ele reconhece que ainda há muito o que se conquistar quando o assunto é o acesso de pessoas trans ao ensino superior, mas celebra o que já foi garantido. "Foi um divisor de águas. Quando se há aprovação desse tipo de cota, é porque a sociedade está mudando, se movimentando", diz ele sobre a cota para pessoas trans na Furg, que foi aprovada e teve seu primeiro edital publicado em 2022.
A conquista foi resultado de muita luta da comunidade. A universidade é uma das poucas instituições brasileiras a oferecer esse tipo de ação voltada para a graduação. "A coletividade é cláusula pétrea. Para mim, quando alguém está dentro da universidade, também me sinto inserido nesse contexto e história. É muito simbólico ver pessoas como eu estando nessa estrutura que, para mim, foi tão dificultada", celebra.
Falta de dados
Por aqui, a falta de informações dificulta o levantamento de quantas pessoas trans frequentam as duas principais universidades da Zona Sul. Na Furg, apenas em 2023 passou a ser obrigatório informar o gênero na hora da matrícula, o que impede a precisão do número de transgêneros matriculados e já formados. Através do mais recente edital com reserva de vagas para trans e travestis, é possível garantir que 12 pessoas trans estão matriculadas na graduação. Outros 32 alunos utilizam nome social, o que, apesar de não ser uma garantia, é um indicativo de que mais pessoas trans estão na universidade.
Na UFPel, a situação é parecida. A instituição possui reserva de vagas para pessoas trans na pós-graduação, mas não possui nenhum edital para graduação. Portanto, não há dados oficiais sobre o número de estudantes atuais ou formados da comunidade trans. O problema motivou a coordenadora do Núcleo de Gênero (Nugen), Jana Neves, a buscar essas informações junto aos alunos. "Judicialmente não podemos exigir que as pessoas se identifiquem como trans, mas, para mim, é muito importante termos esse registro. Fui para as redes sociais do Nugen e muitas pessoas responderam o formulário", diz ela. No levantamento informal, 92 alunos se identificaram como transgênero. "É um número expressivo. Pensamos em criar um grupo em que essas pessoas sejam acolhidas. A gente entende que tem mais pessoas trans na UFPel do que imaginamos", comenta Jana.
Reconhecimento
Para além do ensino superior, muitos outros ambientes também são de difícil acesso para a comunidade trans. Um deles é a política. É por isso que, hoje, a vereadora Regininha (PT), primeira pessoa trans a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Rio Grande, será homenageada. Na Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, a vereadora receberá o Troféu Visibilidade Trans 2024 pelos trabalhos de promoção de visibilidade da população de travestis e trans no RS. A implementação das cotas na Furg, por exemplo, foi um dos projetos amplamente defendidos pela vereadora.
Números
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2018, apenas 16,5% das pessoas trans no Brasil afirmaram ter o Ensino Superior completo. Segundo a Andifes, em 2018, havia apenas 3.379 pessoas trans nas universidades federais brasileiras.
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