Economia

Crise do leite bate à porta dos gaúchos

A desvalorização da atividade tem levado cada vez mais produtores a abandonarem a produção do leite na região

Paulo Rossi -

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Logo ao entrar na propriedade de Jair Bonow e sua família, na colônia Py Crespo, 3º Distrito de Pelotas, é possível perceber a qual atividade o produtor se dedica. Dali se vê uma bem equipada sala de ordenha e, ao longe, o rebanho de gado holandês disperso pelo campo. A estrutura montada e melhorada ao longo dos anos, no entanto, está com os dias contados. Aliás, já começa a se despedir. Dos 64 animais, hoje restam apenas 18. O resfriador, que movimentava 1.200 litros de leite a cada dois dias, está vazio. A pastagem também cresce com velocidade. Tudo em função de uma decisão nada fácil, porém necessária: o abandono da pecuária leiteira. Com o valor do litro do leite cada vez mais desvalorizado, insumos mais caros e a concorrência desleal provocada por uma importação desenfreada, a produção da bebida tornou-se um fardo que muitos não têm suportado carregar. E o abandonam. A baixa gira em torno de 20% a 30% na região, segundo estimativa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), e a previsão é de que os percentuais sigam aumentando em função da crise que deve manter-se (e possivelmente agravar-se) nos próximos meses.

A aposta agora é, para Jair, o gado de corte. Outros produtores vizinhos também se focam na atividade. Alguns retornam a práticas antigas, como o fumo. Das 85 propriedades que trabalhavam com o leite somente nesta região da família Bonow, hoje restam 21. “É até difícil. Nos criamos com isso, trabalhamos e nos especializamos nisso, mas se tornou inviável. O produtor está pagando para produzir”, conta, ao lado da esposa Dulce. Isto porque, hoje, o preço médio pago pelo litro do leite no Estado, de acordo com o informativo conjuntural da Emater da última quinta-feira, girou em torno de R$ 1,20. Um valor insustentável para o produtor, segundo Bonow. Pelos seus cálculos, considerando os gastos com insumos e fatores como a inflação, para custear a produção, este valor precisaria ser no mínimo R$ 1,39. Menos do que isto, reforça, é impraticável.

Apesar de já conturbado, segundo o chefe do escritório da Emater/RS-Ascar em Pelotas, Francisco Arruda, o cenário tende a se complicar ainda mais. Principalmente, explica, em função da instável situação da Cooperativa Sul-rio-grandense de Laticínios (Cosulati). Com as atividades afetadas pelo atual contexto brasileiro, a Cosulati enfrentou um ano conturbado e viu diversos produtores migrarem para outras cooperativas devido aos valores pagos, abandonarem a prática ou ainda aproveitarem o momento para se aposentar. Recentemente, apresentou um plano de reestruturação que foca no leite, pensado para reativar os vínculos com a região e os agricultores, mas ainda não o colocou em prática. “A indefinição da nossa cooperativa, somada à instabilidade do mercado, prejudica muito o produtor, ainda mais aquele de pequeno a médio porte, e aí não tem jeito, a única opção dele é partir para outra atividade.”

O problema, é claro, não atinge apenas a Região Sul. O presidente Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do Rio Grande do Sul (Sindilat), Alexandre Guerra, aponta um mercado incerto e desvalorizado como um todo e em queda vertiginosa. “Podemos considerar o valor de R$ 1,20 a R$ 1,30 que tem sido pago como excelente dentro do atual momento. Vai baixar mais ainda”, diz.

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O que aconteceu
Produção mais cara

O aumento no valor de ração, insumos e a dificuldade da mão de obra para atuar no campo estão tornando a pecuária leiteira uma atividade extremamente custosa para um baixo retorno que tem sido dado pelo mercado. Somando a isto, aponta Guerra, os últimos meses foram favoráveis climaticamente para que a produção rendesse. Além da falsa impressão passada pelo primeiro semestre deste ano, onde o leite chegou próximo aos R$ 4,00 nas gôndolas. “Criou-se a sensação de que era um bom momento para o produzir, mas aquele valor pago pelo consumidor final não chegou até o produtor. Os pagamentos não coincidem com a realidade do mercado”, alega o presidente da comissão do leite da Farsul, Jorge Rodrigues.

Surgiu, portanto, um excedente resultado da alta atividade no campo aliado a uma queda do preço pago por este produto.

Crescimento da importação
Como resposta a disparada no preço do leite para o consumidor final registrada no primeiro semestre deste ano levou o governo federal a importar uma quantidade significativa da bebida. A medida, no entanto, cresceu vertiginosamente e já chega a 88% a mais do que no último ano. Ao mesmo tempo, a exportação caiu em 40%. A combinação de um produto mais barato e em grande quantidade, com um excedente mais caro local agrava ainda mais a situação da pecuária leiteira.

A briga, agora, é pela implantação de políticas públicas que contenham a importação e tentem reequilibrar o cenário. Segundo o presidente do Sindilat, se tem pleiteado junto aos ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e também ao das Relações Exteriores a criação de cotas para a importação. O sistema já existe para os produtos vindos da Argentina, porém o Uruguai tem livre trânsito e é do país que vem a maior quantidade de leite hoje no mercado. A proposta, no entanto, não é vista com bons olhos pelo Ministério, que teme retaliações.

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