Mudança
É o começo do fim das carroças?
Prefeitura lança nesta terça edital em busca de protótipos capazes de substituir a tração animal
Paulo Rossi -
Trabalhar com frete é o que Romildo Nunes sabe fazer. Criado em cima de uma charrete, onde acompanhou o pai que trabalhou a vida toda, atualmente é dela que também tira o sustento da esposa e mais quatro filhos adolescentes. Cadastrado junto à prefeitura, com o cavalo bem cuidado e a carroça emplacada, diz não saber fazer outra coisa da vida aos 39 anos de idade. “Esse é o meu carro, é o meu trabalho.”
Ele é apenas um dos mais de 600 trabalhadores que ganham a vida circulando por Pelotas em veículos de tração animal, de acordo com os registros do município. E são justamente estas pessoas o foco do edital que a prefeitura lança nesta terça-feira (28), às 10h, no Salão Nobre.
Idealizado - e adiado - desde junho do ano passado, o edital pretende atrair criadores de protótipos capazes de substituir o uso de cavalos em áreas urbanas por catadores e fretadores. O que gera dúvidas em Romildo.
Acostumado a acordar no Areal com o nascer do sol, andar toda a cidade e voltar com o cavalo para casa à tardinha, fica na dúvida sobre como irá garantir a comida na mesa da família sem a charrete. “Carrego geladeira, fogão, materiais recicláveis, dois ou três fretes por dia. Imagina andar por diversos bairros sem o cavalo?”, pergunta.
Embora a prefeitura prefira não adiantar detalhes do que será exigido nos protótipos antes do ato oficial, o secretário de Transportes e Trânsito, Flávio Al Alam, antecipa que um dos pontos principais é não inviabilizar o sustento destas famílias. Um dos parâmetros, segundo o secretário, é que o modelo de equipamento não ultrapasse 20 km/h. Segundo ele, isso evitará que os trabalhadores sejam obrigados a tirar carteira de habilitação, já que os veículos deverão mesclar a propulsão a pedal com o auxílio de um motor (elétrico ou a combustão).
Romildo diz que a intenção é boa, mas que nem sempre uma boa intenção é o suficiente. “Quem vai pagar esse equipamento? Até hoje nunca tive ajuda nem para a charrete”, dispara, enquanto entrega uma encomenda no Mercado Central.
De acordo com o divulgado pela prefeitura em meados do ano passado, quando o tema começou a ser discutido entre as secretarias, lojistas e representantes de catadores, a compra dos equipamentos deve ser feita pelos empresários, conforme parceria com o Sindilojas. Após a personalização com suas marcas, os veículos seriam repassados aos catadores. Procurado pelo Diário Popular, o presidente do Sindilojas, Gilmar Bazanella, não foi localizado e outros membros da entidade não quiseram comentar.
É preciso avaliar
Para o presidente da Associação dos Catadores de Pelotas, Luiz Antônio Silveira, a iniciativa é válida. Porém, é preciso ter cuidado antes de se mexer com a vida de tantas pessoas. “Muita gente acha que todo cavalo é malcuidado e tratam isso como uma razão para acabar com as charretes. Não é verdade e isso nos preocupa. Mas entendemos que, sim, é preciso mais fiscalização e também encontrar alternativas”, comenta.
Segundo Silveira, o receio é de que os protótipos não sejam capazes de garantir viabilidade a catadores e fretadores que hoje utilizam tração animal. “Sabemos que as coisas mudam e estamos nos preparando para isso. Só é preciso conversar e avaliar, não podem impor esse cavalo de lata goela abaixo. Vão tirar o animal e transformar o homem em cavalo?”
O secretário Al Alam é cauteloso. Afirma que será através da feira de protótipos que se chegará ao melhor modelo. “O edital é um ponto de partida para abrir a discussão”, destaca.
A legislação
Conforme uma lei do vereador Ivan Duarte (PT), aprovada em janeiro do ano passado, a prefeitura tem até 2020 para substituir totalmente os veículos de tração animal no município.
Existe também na Câmara dos Deputados o projeto de lei 6.357/2013, do deputado Giovani Cherini (PDT), que visa estabelecer uma norma nacional proibindo o uso de tração animal em áreas urbanas de cidades com mais de 80 mil habitantes.
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