Refúgio no Pampa

Em meio à vida, os números da morte

Desde 2010 mais de 2,5 mil animais que viviam na Estação Ecológica do Taim foram mortos na estrada

Paulo Rossi -

A cena contrasta com a vida que pulsa em cada recanto da Estação Ecológica do Taim (Esec). A média é de, pelo menos, um atropelamento por dia na BR-471, que corta a Unidade considerada pelo Ministério do Meio Ambiente como prioritária à conservação da diversidade biológica no Brasil.

É o que aponta levantamento realizado pela equipe da Esec desde 2010; período em que mais de 2,5 mil animais foram mortos. E, o pior, o relatório revela: espécies ameaçadas, como o gato-do-mato também têm virado estatística, amassadas pela transgressão dos limites máximos de velocidade, que variam de 50 km/h a 60 km/h.

É o tema central a ser apresentado no segundo capítulo da série Refúgio no Pampa, exatamente nesta quinta-feira, 21 de julho, quando a Estação Ecológica completa 30 anos de uma grande missão: manter intocado o ambiente relevante à preservação da biodiversidade do Planeta. E, para atender o dever, é fundamental rever medidas adotadas atualmente, tanto para contenção da fauna longe da estrada quanto para barrar o excesso de velocidade na rodovia.

“Estamos buscando uma robustez científica, para poder cobrar do Dnit uma solução técnica baseada em dados”, argumenta o chefe da Esec, Henrique Ilha. E, ao receber o Diário Popular, o oceanólogo é direto ao interpretar os dados: “Hoje é um caos ambiental”.

Rotina triste, mas necessária
As patas pintadas de azul indicam: a morte já foi contabilizada. O monitoramento virou rotina. Uma vez por semana, profissionais do Taim percorrem os 15 quilômetros de extensão para verificar a ocorrência de novos atropelamentos. E a cena se repete. Infelizmente. Há anos. Na última semana, quando o Diário Popular visitou o local, a comprovação, tétrica, pôde ser conferida logo na saída da sede administrativa da Estação Ecológica, onde se concentravam quatro animais mortos. Todos capivaras. E, embora elas encabecem a lista - só em 2015 foram 154 casos - não são as únicas.

Lagartos, tartarugas, aves, como carcará, gaviões e saracuras e serpentes, como a cobra-d´água também costumam integrar o relatório. E nos dois dias em que o DP permaneceu no Taim, duas capivaras transitavam pela BR-471: uma, pelo acostamento, na tarde da quarta-feira, 13, e outra arriscava-se, calmamente, em vaivéns pela pista, por volta das 6h, quando a quinta-feira ainda não havia clareado. Um risco iminente.

A palavra do Dnit
Ao se manifestar por e-mail, via assessoria de Imprensa, a superintendência regional do Dnit, no Rio Grande do Sul, garantiu que a medida a ser adotada para minimizar a situação é tentar manter as telas sempre preservadas. Em nenhum momento ocorreram explicações sobre a demora nos consertos. Quanto à possibilidade de implantação dos radares inteligentes, o superintendente Vladimir Casa afirmou não existir previsão nem contrato para instalação desse tipo de equipamento. Para colocação de estruturas modulares, ao longo do trecho, a resposta também foi direta: “Não há estudo neste sentido”.

A posição da PRF
O chefe da 7ª Delegacia Regional da Polícia Rodoviária Federal, José Apodi Dourado, também foi objetivo, ao conversar com o Diário Popular, na manhã desta quarta-feira (20). A falta de efetivo é uma das principais barreiras para que a equipe desenvolva ações direcionadas à região da Estação Ecológica - admite. “Hoje tenho 50% a menos de pessoal do que eu tinha há oito anos”. Só em 2015, por exemplo, a corporação perdeu 11 servidores devido a aposentadorias e transferências.

A expectativa, entretanto, é incluir a localidade no programa de fiscalização do radar fotográfico a partir do início de agosto. “É um trecho tão pequeno. As pessoas não deveriam desrespeitar os limites de velocidade, não só pela preservação da fauna, mas também pela sua própria segurança”.

Ambiente recomposto, Taim vivo
Em meio às estatísticas de morte, um motivo espalha sorrisos entre os profissionais da Estação Ecológica. É a velocidade com que o ambiente se recuperou do incêndio registrado em final de março de 2013. Em nove dias, 5,3 mil hectares foram consumidos pelas chamas; em torno de 3,3 mil hectares em banhados que ainda não pertencem à área protegida pelo Taim. Pouco menos de um ano depois, o cenário estava recomposto, em flora e fauna.

“Os incêndios fazem parte do ciclo dos banhados”, alerta o chefe da Estação. Daí a importância de os 14 brigadistas, treinados e contratados, permanecerem de prontidão. Eliminar as labaredas que se alastram, não raro, depende da ação de aviões com água jorrada do alto, como em 2013. Mas o alento final veio, mesmo, com as pancadas de chuva forte que caíram naquela quarta-feira, 3 de abril. Era a natureza a favor da natureza.

Entenda melhor
Como funciona hoje
Legislação de trânsito: As regras estão devidamente identificadas. São duas lombadas nas entradas da Estação, com limite de 50 km/h - no sentido Rio Grande-Santa Vitória do Palmar e Santa Vitória-Rio Grande - e dois pardais com fiscalização eletrônica estabelecida em até 60 km/h, ao longo do trajeto. Mas não têm sido o suficiente. Boa parte dos condutores de veículos só reduz a velocidade ao se aproximar das sinalizações que, na prática, são interpretadas como alerta: você será multado. A importância de preservar a fauna pesa pouco.

Nem as placas com o apelo O Taim é belo. Ajude a protegê-lo surtem efeito. O resultado pode ser, facilmente, confirmado. E o cheiro forte é um dos sinalizadores de que existe mais um animal morto no caminho, em diferentes estágios de decomposição.

Proteção à fauna: Dois dos três trechos - de um total de 15 quilômetros - possuem telas, que começaram a ser instaladas em 1998. Os estragos causados por acidentes de trânsito e a danificação deixada por pessoas que decidem pescar ilegalmente no Taim tornam a situação ainda mais delicada, já que a recuperação da estrutura - a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) -, em geral, demora. Às vezes, anos.

Os 19 túneis para passagem de fauna - nove concentrados nos cerca de cinco quilômetros que não dispõem do telamento - não são o suficiente para evitar que animais acessem a BR. Estudos, inclusive, monitoram o uso dos túneis, com objetivo de verificar a necessidade de outras formas de passagem, como as galerias que, além de mais largas, contam com mais claridade e poderiam se tornar atrativas às espécies que temem virar presa fácil.

As propostas para o futuro
Legislação de trânsito: A instalação de radares inteligentes, capazes de identificar se o condutor circulou em algum momento acima da velocidade - em função do tempo que levaria para cruzar o trecho - é uma das hipóteses levantadas pelo chefe da Estação Ecológica do Taim, Henrique Ilha, para tentar impedir os atropelamentos. A possibilidade, entretanto, ainda depende de negociação com o Dnit.

Proteção à fauna: A colocação de estruturas modulares, mais duráveis, para impedir a passagem dos animais à estrada também é cogitada pela direção do Taim, para evitar as longas tratativas por manutenção nas telas.

 

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