Educação

Fora da escola não pode

Evasão escolar cresce anualmente em Pelotas; dados do Ministério Público mostram que 71% dos alunos infrequentes não retornam às salas de aula

Jô Folha -

Uma média de cinco alunos deixam de ir às aulas em Pelotas todos os dias. Até julho eram 3,8 mil registros de infrequência em andamento nas escolas da cidade, no Conselho Tutelar e no Ministério Público (MP), dos quais somente 28 estudantes retornaram. Os dados são do MP e revelam a dificuldade de escolas e famílias em manter crianças e adolescentes no sistema educacional.

Já são 191 Fichas de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficais) abertas em 2017. O documento foi instituído em 2010 no Rio Grande do Sul como um esforço para controlar a evasão escolar. A ficha contém informações pessoais do estudante, como endereço e telefone, além de solicitar observações do professor a respeito do comportamento em sala de aula, assim como número de faltas e as hipóteses para a infrequência.

Entrar em contato com a família é a primeira providência a ser tomada pelo educandário. O documento deve ser acionado quando o aluno falta por cinco vezes consecutivas ou dez intercaladas. Se não retornar, o caso é encaminhado ao Conselho Tutelar. Em última instância, cai nas mãos do Ministério Público (MP). Paulo Roberto Gentil Charqueiro, da Promotoria de Educação do MP, lida com o abandono escolar diariamente.

Ele e sua equipe percorrem os educandários da região, informando diretores e professores sobre a conduta a ser tomada frente à evasão. Após tanto tempo na área, Charqueiro tem propriedade ao dizer que o sucesso do retorno do estudante está justamente na escola. “O que a gente tem cobrado são ações das escolas. Ela tem que agir imediatamente”, diz. O promotor comenta que algumas que só registram o caso na ficha meses após o jovem mostrar infrequência. “Aí já perdemos o aluno”, diz. A taxa é especialmente alta na faixa etária de 14, 16, 17 anos - e os motivos se repetem. De 2016 para 2017, a resistência do aluno em frequentar as aulas foi a razão mais apontada para o abandono. A suspeita de negligência familiar vem em segundo, seguida da distorção série-idade, quando um estudante mais velho repete o ano e fica retido em séries anteriores.

Conforme dados do período 2012/2014, as escolas do Estado conseguiram o retorno de cinco mil, entre um total de 45 mil infrequentes. A grande maioria não volta à sala de aula: 71% continuam fora da rede. “A Ficai foi elaborada, num primeiro momento, para ter esses números, que a gente não tinha. Depois, para atuar nas causas. É isso que a gente não tá conseguindo fazer”, admite o promotor. Ele afirma que, atualmente, o sistema não funciona em rede, atuação que seria ideal. Há, portanto, um desencontro de informações entre os órgãos, além da demora no atendimento. “O Case (Centro de Atendimento Socioeducativo) demora dois anos para conseguir consulta, caso um estudante rebelde seja encaminhado. Então a escola decide excluir, porque o aluno problemático influencia também no resto dos alunos. É essa rede que tá quebrada”, manifesta.

O medo também afasta
A Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Francisco Caruccio foi a que mais abriu Ficais em 2016: 117 registros de infrequência. Para o diretor Alexandre Lemes, o grande problema do colégio, localizado na avenida Leopoldo Brod, no Pestano, é o trajeto dos alunos até a escola - momento em que muitos sofrem assaltos, tentativas de homicídio e demais tipos de violência. O diretor, então, fica de mãos atadas. Na direção há mais de seis anos, sabe que só pode garantir a segurança dentro dos limites do prédio. Ele afirma que é principalmente por causa da criminalidade na região que parte dos 1,2 mil estudantes deixam de estudar, especialmente no turno da noite.

Do início deste ano até julho, a Emef Mario Meneghetti foi que a que mais registrou a infrequência de alunos, com 20 Ficais. A Caruccio vem em segundo lugar, com 13 em andamento - 13 alunos ainda fora do colégio. Para Lemes, a estrutura familiar também joga um grande papel na forma como o aluno utiliza o sistema educacional. Enquanto conversa com a reportagem do Diário Popular, lembra de casos de alunos com problemas familiares. “Tem um que passou pra noite. Por enquanto tá vindo”, comenta, informando que a direção organiza a saída ao fim das aulas, com recomendação para que os estudantes saiam em grupos e sintam-se mais protegidos. O alto número de fichas abertas, ao mesmo tempo que evidencia o abandono de jovens e crianças, mostra que a escola é comprometida em documentar a evasão. “Tem que fazer a ficha Ficai. Não mascaramos os dados. O ideal seria chegar para vocês e dizer que eu tenho 100% de frequência de março a dezembro. Eu ia tá mentindo.”

“Nós temos alunos de quinto ano que fazem a entrega da droga. Nós temos alunos menores de idade que saíram dessa casa e agora estão traficando. É uma realidade assustadora”, relata, explicando como a violência nas ruas do bairro reflete dentro da sala de aula. Para combater o problema diretamente nas raízes, o educandário desenvolve diversos projetos. São oficinas de atletismo, futebol e dança, oferecidas por professores de Educação Física. O 8º Batalhão de Infantaria Motorizado também abriu as portas para um grupo de 25 alunos, que lá receberão refeições e atividades físicas e escolares a partir deste mês. “Se não tiver esse tipo de atrativo, o aluno fica solto”, diz. A Francisco Caruccio também integra o Construindo Saberes - programa municipal que busca recuperar o aluno que, em determinado momento, ficou retido em uma série. As aulas são no turno inverso para que o estudante avance para outras séries, impedindo que se crie a distorção idade-série, outro motivo pelo qual muitos abandonam o ensino.

É aqui que eles buscam o que não têm em casa
Na maior escola municipal, o Colégio Municipal Pelotense, a única com Ensino Médio, também há evasão. Dilson Ferreira Ribeiro, professor de Matemática e responsável pelo Departamento de Estatística, constatou aumento na evasão do Ensino Médio em 2015 e 2016. No primeiro ano o percentual foi de 25%, subindo para 27% em 2016, com total de 185 abandonos. O maior número de evadidos está no primeiro ano, com 115. A escola tem 2,9 mil alunos matriculados, desde educação básica até pós-médio. A evasão só no primeiro trimestre letivo de 2017 já conta com 11%, entre Ensino Fundamental e Médio. No entanto, o professor informa que deve ser considerado o fato de alguns alunos migrarem para institutos federais ou ficarem na própria escola na modalidade EJA (apenas para alunos maiores de 18 anos) no período. Por esse motivo, ao saírem da escola, não comunicam a baixa em seu histórico escolar e começam a receber faltas, sendo dados como evadidos.

Para grande parte dos alunos da rede, a escola substitui o lar e a família - seja na hora das refeições até nos relacionamentos afetivos e na correção de um mau comportamento. Isso faz com que professores embarquem em uma luta constante para manter o aluno interessado e frequente. Jane Cristina Nebel, 58, professora de História há 37 anos, já viu diversos alunos deixando a escola. “Alguns são transferidos, outros retornam e daqui a pouco faltam de novo”, diz, a respeito dos casos que já presenciou em quase 40 anos de carreira, cinco deles na Emef Francisco Caruccio. “Eu continuo no magistrado porque acredito no que faço. Principalmente uma escola de periferia como a nossa, ainda é um ponto de referência. É aqui que eles buscam o que não têm em casa”, afirma.

Ela chama atenção para o desinteresse do jovem e os problemas que cada um lida internamente, fator que atrapalha na aprendizagem. “Temos alunos com a autoestima muito baixa. Eles acham que não vão pra frente porque ninguém na casa deles estudou, se formou”. Logo, para Jane, é dever do professor acreditar no crescimento do aluno e incentivá-lo. Para que o jovem seja recuperado o quanto antes, a alternativa mais realista para combater a evasão é justamente a ação rápida da escola. Charqueiro destaca o projeto pioneiro do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), chamado Busca Ativa Escolar. “Ele traz estruturada a rede que nós tentamos montar”, diz. O programa trabalha com os agentes comunitários de saúde, que percorrem mensalmente diversas residências. Se identificar a criança que está fora de escola, o agente alerta o coordenador da equipe, que na hora aciona as medidas necessárias.

É um dos caminhos encontrados para que a criminalidade não interrompa a educação de quem, um dia, projetará o futuro do país. Criar muros e envolver os educandários com cerca elétrica - nenhuma dessas medidas parece funcionar, segundo o promotor. “Quanto mais tu colocar o muro, mais levantar a grade, mais tu isola a comunidade da escola. Tem que chamar os pais, comerciantes e quem mora na volta... A comunidade precisa abraçar a escola”, defende. Até mesmo a lei 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, determina como competência dos estados e municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União, zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola. “As escolas estão abandonadas porque a comunidade abandonou a escola. A comunidade não sente que a escola pertence a ela. E se a escola não sabe qual o problema da comunidade, ela fica como apenas transmissora de conteúdo programático, sem qualquer vinculação com a realidade”, reflete.

Uma proposta da administração municipal pode estar caminhando nesta direção. O programa Pacto pela Paz, lançado em 11 de agosto, deve atuar nas escolas para sanar as causas do abandono, afirma o titular da Secretaria de Educação e Desporto (Smed), Artur Corrêa. De acordo com o secretário, será possível trabalhar em rede com órgãos da Saúde e Assistência Social, por exemplo, registrando e atuando em circunstâncias em que as crianças das famílias visitadas estão fora da escola. Artur Corrêa também alerta para a repetência especialmente no sexto ano, em que os alunos passam a ter um professor para cada disciplina. O fator cria a distorção idade-série, ponto em que a Secretaria tem trabalhado, diz. Através do projeto Construindo Saberes foi corrigida a distorção de 72 alunos, desde o primeiro semestre do ano.

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