Sustento e sustentabilidade

Futuro incerto

Plano de Gestão da Tainha, que restringe pesca da espécie, foi revogado após muita pressão em Brasília; decisão, no entanto, pescadores artesanais da região não estão tranquilos

Carlos Queiroz -

Depois da proibição da pesca do bagre e a quinta safra frustrada do camarão, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) quer restringir a pesca da tainha, ameaçando o sustento dos pescadores artesanais da região.

Na tentativa de vetar o Plano de Gestão a Tainha, que deveria entrar em vigor no mês de março, representantes do Fórum da Lagoa dos Patos foram a Brasília na última quinta-feira e conseguiram revogar a situação, ao menos por um ano.

"Nós não tínhamos participado da decisão", informou o presidente do Fórum da Lagoa dos Patos, Nilton Mendes Machado, que em Brasília expôs a situação vivida na região e reivindicou um assento no Comitê Permanente de Gestão (CPG) da pesca, que media os debates entre sociedade civil, governo e setor pesqueiro.

Em reunião do Fórum da Lagoa dos Patos no dia 26 de janeiro, havia sido criado um ofício de 36 páginas defendendo e ressaltando a importância da tainha para as famílias que vivem no entorno da Lagoa. O documento foi enviado ao Ministério Público Federal no dia 7 deste mês.

Na reunião do dia 16, que durou dez horas, todas as reinvindicações foram atendidas, e graças à pressão exercida também por representantes políticos, a vigência do Plano foi revogada por mais um ano, até que se chegue a um consenso sobre o assunto. "Foi um encontro positivo. Agora seremos ativos nas discussões," avaliou Machado.

O que embasava a decisão do Mapa de impedir a retirada da espécie no Sul e Sudeste do país era um compilado de estudos nacionais sobre a tainha que comprovam a diminuição dos cardumes. Algumas das pesquisas avaliadas foram produzidas na Universidade Federal do Rio Grande (Furg). Entre os pescadores da Colônia Z-3 em Pelotas, a indignação com a redação do Plano é geral, assim como as dúvidas quanto ao futuro no ofício quando essa medida paliativa chegar ao fim.

"Nós temos famílias para sustentar, filhos para manter na escola", reclamou Ailton Oliveira, que com a renda da profissão - exercida há 53 anos - conseguiu manter uma filha na universidade. Ele questiona se o governo dará outras alternativas, pois afirma que não terá do que viver se as regras não forem revistas. Silmar Ribeiro acrescenta que além de renda, a tainha é um dos principais alimentos dos pescadores e que está ameaçado caso o Plano vigore no próximo ano. "Ao invés de proibir a pesca, poderiam nos instruir", desabafou o pescador. A visita dos pesquisadores às colônias é o que faria diferença para Rudinei Oliveira. "Eles têm que conhecer nossa realidade. Ter mais noção da pesca", disse ele, que culpa a indústria pesqueira pela diminuição dos cardumes, pois a quantidade retirada pelos navios é muito maior do que pelos pescadores artesanais.

Os estudos
A professora da Furg e doutora em Oceanografia, Tatiana Walter, que auxiliou os pescadores no envio do ofício e esteve presente no encontro em Brasília, explicou que os estudos seguem uma metodologia internacional e são conduzidos pelo Ministério do Meio Ambiente e pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente - que inclusive criou um grupo de trabalho que está avaliando junto ao Ministério Público Estadual a possibilidade dos pescadores artesanais retirarem o bagre sob novas condições, na tentativa de reverter a lei existente.

São analisados dados resultantes de pesquisas científicas e da produção pesqueira ao longo de muito tempo, que apontam a diminuição da espécie na área de abrangência. "Tanto a tainha quanto o bagre são analisados não apenas no estuário da Lagoa dos Patos, mas nas zonas costeira e marinha do Rio Grande do Sul e de outras regiões do país", esclareceu ela. Contudo, a maior crítica dos pescadores é a ausência de diálogo com quem é mais afetado pelas medidas, ponto que a professora reitera. Ela destaca que seria importante esse contato ser considerado em futuros estudos, bem como o fato de outras atividades também afetarem as espécies.

O próprio Plano de Gestão da Tainha aponta, além da pesca - artesanal e industrial - outros prováveis fatores que teriam influenciado na diminuição dos cardumes: a construção da eclusa no Canal de São Gonçalo (1970), que passou a impedir a entrada de água do mar na Lagoa Mirim; as atividades portuárias em Rio Grande, principalmente a partir de 1990; o crescimento demográfico no entorno da Lagoa, que fez subir a quantidade de esgoto despejado nas águas, e as obras de extensão dos Molhes da Barra no Estuário da Lagoa dos Patos. Essa última, segundo o Plano, teria causado a alteração do padrão de circulação da área, aumento das vazantes e redução dos fluxos de enchente, aumento do nível de água, alteração da salinidade e de aspectos químicos e ecológicos, redução do estuário e diminuição na entrada de organismos marinhos, de larvas e juvenis.

Para a professora não é possível afirmar com toda a certeza essa influência, por isso pesquisas específicas para este fim deveriam ser feitas. Porém, não se poderia negar que o conjunto de transformações contribui de alguma forma para a diminuição da produtividade pesqueira do estuário e para o aumento da vulnerabilidade dos pescadores, tanto na pesca da tainha, quanto camarão e bagre. "Além disso, as safras frustradas são associadas a períodos climáticos extremos que envolvem excesso de chuvas, cada vez mais frequentes em nossa região," finalizou Tatiana.

Movimentação política
Para evitar o prejuízo aos pescadores artesanais, representantes políticos estão se mobilizando. No dia 9 de março, às 10h, o deputado estadual Zé Nunes (PT) pretende realizar uma audiência pública na Assembleia Legislativa, mantendo a mobilização para evitar restrições à atividade nas próximas temporadas e discutir formas de permitir que os pescadores continuem tendo como se sustentar. "É um assunto urgente e preocupante", frisou ele, que quer evitar a mesma restrição do bagre para a tainha, organizando um plano de gestão do Estado. Na audiência ele pretende sensibilizar os demais representantes sobre a atividade que sustenta ao menos dez mil famílias da região. "Sem camarão, bagre e se a tainha for proibida, eles não terão o que pescar", afirmou Nunes, que ainda critica o fato de as indústrias catarinenses, que exportam as ovas da espécie, não serem afetadas pelo Plano, segundo ele.

Na esfera federal o deputado Dionilso Marcon (PT) apresentou em 30 de novembro de 2016 o Projeto de Lei 6.585, que prevê medidas mais rígidas para a pesca de espécies ameaçadas apenas a nível industrial, como forma de priorizar os pescadores artesanais e garantir o sustento dessas comunidades, levando em consideração suas peculiaridades e tradição. No caso da tainha, por ser mais urgente, proíbe a comercialização de ovas até que haja a recuperação dos cardumes. O PL não tem prazo para ser votado, pois a bancada gaúcha ainda está organizando as pautas nessa volta de recesso. "Precisamos de apoio para pressionar o Ministério" enfatizou o deputado federal.

Propostas do Plano de Gestão da Tainha
- 15 de março a 15 de setembro: criação de áreas de exclusão à pesca com redes nas desembocaduras estuarino-lagunares com o mar (exceto para pesca desembarcada com tarrafa)
- 1º de abril a 31 de maio: proibição do uso de todos os tipos de redes nas áreas estuarino-lagunares (exceto pesca desembarcada com tarrafa, ou arrastão de praia com embarcações não motorizadas)
- Aumento do tamanho mínimo de captura, alterando de 35cm para 40cm
- Limite do número de pescadores e barcos - congelamento do número de pescadores até a finalização do recadastramento por área e autorização de apenas uma rede por barco
- Autorização de apenas uma área por pescador/barco, especificada na autorização concedida
- Arrastão/Lanço de Praia/Picaré: uso proibido
- Rede de Emalhe, tipo Feiticeira ou Tresmalhos: uso proibido
- Tarrafa: malha mínima de 60mm entre nós opostos
- Rede de Emalhe Fixa Desembarcada: comprimento máximo 100m, com malha mínima de 100mm entre nós opostos
- Rede de Emalhe de Superfície Embarcada (fixa ou deriva): comprimento máximo - primeiro ano 1.830m; segundo ano 1.500m; terceiro ano 1.300m; quarto ano
1.000m
- Coeficiente mínimo de entralhe: 0,5
- Altura máxima: 4m
- Tamanho mínimo de malha: 100mm entre nós opostos

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