Angústia
Mãe espera por diagnóstico para filha desde 2021
Criança tem sintomas de autismo, que necessitam de atendimento multiprofissional; a dificuldade de acesso a laudo e tratamento é realidade para muitas pessoas
Foto: Carlos Queiroz - DP - Josiane Ferreira se divide entre cuidar da filha e ir atrás de um atendimento especializado
Há cerca de dois anos, uma mãe tenta conseguir o encaminhamento de saúde requerido para que sua filha tenha acesso às consultas em especialidades necessárias para o desenvolvimento da criança. Com suspeita de um possível diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), a pequena Myllena tem que receber o laudo da condição de um neurologista para conseguir os outros acompanhamentos médicos. No entanto, desde 2021, a paciente espera pelo procedimento na rede municipal.
A rotina da dona de casa Josiane Ferreira é dividida entre cuidar da filha e buscar um meio para que a menina de três anos e nove meses seja encaminhada a um atendimento especializado. Após a criança ser avaliada por dois pediatras, a mãe recebeu o mesmo parecer, Myllena pode ter o grau leve ou moderado de autismo. A partir disso, começou a procurar em vários locais pela consulta na rede pública de saúde. "Nesse meio tempo, eu procurei a Câmara de Vereadores, a Prefeitura, eles ficaram de me ajudar, mas não deram retorno", conta.
Ao ir na Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Josiane relata que recebeu a explicação de que o atendimento com neurologista só seria possível se já estivesse na requisição da paciente o transtorno de autismo. Entretanto, a procura da mãe era justamente para ter o diagnóstico da filha. Ao passar pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e pelo ambulatório de atendimento da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), agora a esperança está no Centro de Reabilitação (Cerenepe), já que a secretaria encaminhou o pedido de avaliação, marcado para o dia 5 de julho. "É complicado porque ela é uma criança que não dorme à noite direito, passa praticamente as noites em claro, na escola a professora falou que ela se isola".
Além disso, Myllena tem outros sintomas, como seletividade alimentar e outras restrições que impactam no convívio dela com outras crianças. "Ela só quer comer arroz e iogurte", diz a mãe. Com a atenção constante que a menina demanda, somada a busca por atendimento médico em diversas instituições, Josiane não tem condições de trabalhar fora, o que restringe ainda mais as possibilidades de tratamentos.
Neste cenário de incertezas sobre as condições de saúde da criança, a dona de casa teme que o atraso nos atendimentos médicos resulte em impactos negativos no desenvolvimento de Mylenna. "Ela é uma criança super inteligente, o que atrapalha são essas coisas e que são tratáveis e está demorando demais para tratar, ela vai fazer quatro anos já e o tempo está passando", relata.
Situação frequente
A neuropediatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Juliana Maia, explica que pelo Transtorno do Espectro Autista ser complexo, envolvendo atraso de desenvolvimento em diversas áreas e comportamentos restritivos, quanto mais cedo a criança for diagnosticada e o tratamento for iniciado, mais ela irá apresentar respostas positivas. "Antigamente se esperava diagnóstico com quatro ou cinco anos, hoje quanto antes, a criança responde melhor ao tratamento por causa da estimulação precoce", diz.
Neste sentido, é essencial que aos primeiros sinais os responsáveis busquem um atendimento pediátrico, pois em caso de suspeita da condição, o profissional irá encaminhar o paciente aos especialistas, neuropediatras e psiquiatras infantis. No entanto, as dificuldades pelas quais Josiane passa para obter o laudo da filha é a realidade de muitos pais. "O problema é que no SUS é muito difícil de conseguir esses especialistas", explica a médica.
Após o diagnóstico, os impasses ainda continuam para as pessoas com autismo, já que a demanda por atendimento, composta por multiprofissionais, é desproporcionalmente maior em relação às vagas disponíveis. "E muitas vezes até mesmo o atendimento particular é difícil, a maioria dos fonoaudiólogos tem fila de espera para atender porque a procura é muito grande", conta.
Citando dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), a neuropediatra explica que o cenário é fruto de uma prevalência crescente do autismo nos últimos anos. De acordo com o levantamento nos Estados Unidos, em 2021, uma a cada 44 crianças têm o transtorno. Já neste ano o número saltou para uma em cada 36. Em Pelotas, o atendimento multiprofissional é prestado no Centro de Autismo, Cerenepe e Apae, entretanto, nos locais, a fila de espera é longa e os tratamentos são prestados a partir da apresentação do laudo médico.
O que diz a prefeitura
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, a paciente foi atendida pela equipe da UBS Puericultura e encaminhada para consulta no Cerenepe, marcada para hoje com uma equipe multiprofissional, que inclui médico neurologista, que deverá realizar avaliação e diagnóstico. No entanto, Josiane argumenta que a consulta já estava marcada há algum tempo e foi transferida para o dia 5 de julho.
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