Polêmica
Muito mais do que uma peça
Escolha de aluna do CAVG de usar turbante em vez de chapéu para as fotos de formatura gera discussão
Divulgação -
Um ato silencioso e simbólico, que não agride ninguém, vem sendo questionado. Estudante do Campus Visconde da Graça (CAVG), do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), Andressa Souza resiste à pressão feita para que modifique as próprias fotografias de formatura. Negra, a jovem de 22 anos optou trocar o chapéu e combinar a toga com um turbante. A peça - símbolo de luta entre as mulheres negras - não causou desconforto durante a sessão de fotos. Um dia depois, porém, ela foi informada por telefone de que "deveria fazer novas fotos, sem turbante". O impasse chegou à direção-geral do campus.
A ligação estragou seu dia. Do outro lado da linha, um funcionário da empresa produtora da formatura lhe deu a notícia. "Não consegui nem dormir de noite. Peguei no sono quase 6h da manhã", desabafa. Magoada, ela não entende o que teria motivado a atitude: "O pessoal da produtora me disse que pessoas da minha turma entraram em contato, solicitando novas fotos minhas, mas ninguém falou comigo antes". Então, o segundo golpe: ao perguntar no grupo da turma, no WhatsApp, o que houve, teria sido respondido a ela que "usar o chapéu seria uma norma da instituição" - o que, segundo o diretor-geral do CAVG, Álvaro Nebel, não é verdade. Não há regramento contrário ao uso de turbantes, ou demais formas de expressão cultural, para fotos de formatura.
Apesar de sentir-se coagida entre os menos de 15 colegas que colarão grau com ela, no tecnólogo em Gestão de Cooperativas, Andressa continua firme: "Não vou fazer fotos novas. Usei o turbante pensando no agora e nas gerações futuras, pensando que outros alunos negros vão me ver, se identificar e pensar: 'Eu também consigo!'". O diretor-geral da instituição assegura que a aluna não passará por outra sessão. Nebel frisa que o CAVG é contra qualquer ação excludente: "É uma questão muito forte a da Andressa, que mexeu conosco. Mas ela com certeza vai ter a foto de turbante. O caso precisa ser apurado e esclarecido". Ele afirma que irá se reunir com os docentes do tecnólogo para avaliar o entrave que, segundo ele, é "com certeza absoluta" um ato discriminatório.
Quem também resistiu
A militante do Movimento Social Negro e Movimento de Mulheres, Winnie Bueno, 28 anos, escolheu um turbante azul para suas fotos de formatura em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em 2015. Única formanda negra, ela relata não ter sofrido constrangimentos em virtude do turbante, entretanto, precisou brigar para que fosse modificado o local das fotos para quadro e convite, que seriam feitas em uma das charqueadas: "Por todo o simbolismo negativo daquele lugar entre a comunidade negra, pois os negros eram escravizados lá. Então, tive que insistir bastante e acabaram escolhendo outro lugar".
Winnie salienta que o turbante representa a conexão com a ancestralidade negra e não pode ser resumido como simples artigo. Ela entende a atitude contra Andressa como mais uma demonstração da necessidade de a sociedade e a academia ampliarem conhecimentos: "Usar o turbante é uma forma de carregar uma mensagem de memória, de resistência. Os códigos sociais são brancos e os padrões cerimonialistas eurocêntricos, mas ninguém questiona isso. É importante que os negros levem essa pluralidade de tradições para a academia, assim como seria digno um aluno indígena usar um cocar", pontua. A formatura de Andressa está agendada para 10 de dezembro, e a estudante antecipa: o turbante também estará na colação de grau.
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