Discussão
Nova estruturação do Ensino Médio ainda gera questionamentos
Alunos e professores não poupam críticas ao modelo implementado sem uma ampla preparação
Foto: Jô Folha - DP - Comunidade escolar se preocupa com carga horária reduzida de algumas disciplinas básicas
Encerrado o primeiro trimestre do ano letivo e quase completando a metade do segundo nas escolas estaduais de Pelotas, as críticas por parte de alunos e professores ao novo modelo de Ensino Médio - iniciado em 2022 nas turmas de primeiro ano -, só se consolidam. Ao ponto de uma turma de primeiro ano dizer em coro que a principal preocupação é com o Programa de Avaliação da Vida Escolar (Pave). A tensão é maior na turma do segundo ano, que projeta o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), sendo que terão de responder questões do ensino básico, prejudicados pela inclusão de disciplinas eletivas. Para as secretarias de Educação do Município e do Estado, o processo implementado em 2022 vem tendo boa adaptação.
Na Escola Estadual de Ensino Médio Monsenhor Queiroz, a aula da turma do segundo ano era de Relação de Gênero, Vida e Saúde, mas o debate ficava em torno de quem está "correndo por fora para garantir boas notas no Pave e no Enem". "Acho que ninguém aqui está gostando. Não sabemos ainda o que queremos fazer. Escolhemos a trilha porque tinha que optar - Saúde e Bem estar. A única certeza é entrar em uma universidade pública. Mas como? Reduziram matérias importantes como Física, Geografia, História, Sociologia", disse uma jovem de 17 anos, que falou pela turma e por isso preferiu não se identificar. A turma compartilha ainda o dilema com os mestres. Carla Ávila é professora de Geografia, mas ministra mais cinco matérias eletivas. Diante da situação, ela alerta: "Estamos tendo que adaptar disciplinas de curso superior para a educação básica com muito pouco preparo."
A supervisora do turno da manhã do educandário, Jossemar de Matos Theisen, ressalta que a escola incentiva o aluno a estudar para ingressar em uma faculdade pública e admite que a formação dos professores, por parte do governo, foi precária. "Sentimos muita falta das matérias básicas, como filosofia e sociologia, que foram reduzidas ou tiradas para entrar as trilhas", disse a turma do primeiro ano do Monsenhor Queiroz.
Pesquisa
O professor de História da Escola Nossa Senhora de Lourdes, Daniel Lemos, que também tem formação em Direito, ministra Legislação Ambiental entre as disciplinas eletivas. Ele está em constante adaptação e, por estar preocupado com o aprendizado dos alunos, resolveu fazer uma enquete em sala de aula sobre por que escolheu tal trilha. "A maioria respondeu que seguiu a escolha do colega, ou seja, não foi por vontade única ou projeção no futuro profissional, o que em tese foge do objetivo do governo", observou. Outro detalhe apontado pelo professor é que no início da implementação, se abriu um leque muito grande com 24 trilhas nas cinco áreas de conhecimento, no entanto, as escolas não têm condições de disponibilizar todas e, por isso, foi feita a votação para que, entre tantas, de duas a cinco trilhas pudessem entrar no calendário. "Os estudantes fizeram escolhas minoritárias, caso contrário teriam que sair da escola, transferir de turno ou se adaptar. O governo vendeu com o Ensino Médio foi uma ilusão", diagnosticou.
Por falar em governo, a assessoria da Secretaria de Educação do Estado (Seduc), não fala em número de transferência em função da escola de origem não oferecer a trilha desejada pelo fato que foi feita consulta no próprio educandário. No entanto, a turma do Monsenhor confirmou que uma aluna foi para Turuçu para poder, ao menos, fazer algo que gosta e deseja seguir como profissão.
Uma das alternativas, na opinião do professor Lemos, caso o novo modelo permaneça, é formar um currículo consolidado para as disciplinas eletivas, pois a dúvida é se os alunos irão absorver os novos conteúdos e assimilar os tradicionais para um bom desempenho no Enem. "Nós, professores, somos da geração X e os alunos da geração Y. Então é preciso estrutura e principalmente formação". Ele se refere às trilhas voltadas à tecnologia aplicadas em escolas em que a Internet é bem precária.
No Município
No Colégio Municipal Pelotense, conforme a secretária de Educação (Smed), Adriane Silveira, a transição para o novo Ensino Médio ocorreu de forma tranquila, com a adaptação dos professores, alunos e demais envolvidos. "No entanto, é importante mencionar que alguns estudantes, pais e responsáveis têm expressado preocupação em relação à carga horária reduzida de alguns componentes curriculares, devido à inclusão dos itinerários formativos, projetos de vida, aprofundamentos e disciplinas eletivas", admitiu. Segundo a titular das Smed, o previsto na legislação é justificado pela necessidade de proporcionar aos alunos uma formação diversificada, contemplando interesses e objetivos individuais. Por meio de canais de comunicação abertos, a escola incentiva o diálogo com os alunos, pais e responsáveis, proporcionando espaço para que expressem suas necessidades e sugestões.
O que diz a Seduc
O Novo Ensino Médio, batizado de Ensino Médio Gaúcho no RS, passou a fazer parte da rotina das escolas da rede estadual no ano letivo de 2022. A iniciativa abrangeu inicialmente cerca de 1.100 escolas e mais de 100 mil alunos. Em Pelotas são 20 escolas que ofertam 19 trilhas de forma proporcional (conforme tamanho e a aptidão do educandário), sendo que os alunos puderam escolher os componentes curriculares de seu interesse e os itinerários formativos, além da formação geral básica. A Proposta do Estado traz quatro componentes obrigatórios (Projeto de Vida - nas três séries; Cultura e Tecnologias Digitais - 1ª série; Mundo do Trabalho - 1ª série; Iniciação Científica- 2ª e 3ª séries) e 24 Trilhas de Aprofundamento Curricular compostas a partir de oito temáticas vinculadas às quatro áreas do conhecimento que podem ser escolhidas pelos estudantes a partir da 2ª série.
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