Entrevista

O Brasil passou por uma exaustão ideológica, diz Schüler

Convidado como um dos painelistas de evento da Fecomércio amanhã em Pelotas, Fernando Schüler analisa o momento político do País

Divulgação - DP - Cientista poítico é um dos participantes do painel que discute amanhã os caminhos que estão sendo trilhados pelo Brasil

Fernando Schüler, cientista político, professor do Insper e secretário da Justiça e Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul no governo Yeda Crusius (PSDB), estará amanhã em Pelotas como painelista convidado do evento Giro Pelo Rio Grande, promovido pela Fecomércio. Com o tema “Brasil 2023: para onde estamos indo?”, o encontro no auditório do Sicredi debaterá os rumos do País na transição do governo Bolsonaro para o governo Lula. Schüler conversou com o DP sobre suas percepções do atual momento brasileiro.

O evento de amanhã parte de uma reflexão de uma transição de um governo à direita, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para um governo à esquerda, do presidente Lula (PT). Apesar disso, os problemas e desafios continuam, independentemente da orientação ideológica do governo. O que marca essa mudança para o Brasil?

Eu tenho definido o Brasil como o país do zigue-zague. O País fez grandes reformas desde a redemocratização, vem desde os anos 90. Fez um ciclo de reformas importantes com Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Depois, tivemos um longo ciclo com o PT de expansão do Estado. No início do governo Lula houve um ímpeto reformista, tivemos uma minirreforma da Previdência e a lei das parceria público-privadas, que muitas vezes as pessoas esquecem. Especialmente depois de 2008, os governos estancaram os processos de reforma e houve um processo de expansão fiscal. A partir do impeachment da presidente Dilma (PT), o Brasil deu outra virada. Eu vejo o governo Michel Temer (MDB) e o governo Bolsonaro, especialmente com o Henrique Meirelles e o Paulo Guedes na área econômica, como gestões com processo de continuidade, então o Brasil passou seis anos numa visão reformista. Tivemos um ciclo muito consistente de reformas, com o teto de gastos, a lei das estatais, reforma trabalhista, reforma previdenciária, autonomia do Banco Central, enfim, que marcaram uma época muita turbulenta. Tivemos pandemia no meio, muita polarização política. Nas eleições de 2022, deu outro giro de 180 graus e na discussão eleitoral esse assunto não foi aprofundado. Discutimos coisas até certo ponto infantis na campanha eleitoral – comunismo de um lado, fascismo de outro – como se essas fossem as pautas brasileiras. O País saiu de uma agenda de reformas para uma visão de expansão do gasto público, de aumento da carga tributária, de retomada do chamado papel protagonista do Estado no desenvolvimento.

Como fugir de um debate ideológico infértil e garantir que a política debata a vida real das pessoas?

Um dos objetivos do Giro Pelo Rio Grande é exatamente esse, recolocar questões no debate que realmente interessam às pessoas, especialmente do setor produtivo, que geram emprego, que investem. Eu diria que isso é uma marca da democracia digital. Tem milhões de pessoas que entraram na vida pública, blogs, YouTube, redes sociais, então é óbvio que o debate político é afetado pelo aspecto tribalista da internet, que é de grande alienação política, de informação muito difusa. Não é uma lógica reflexiva. Quando o sistema passa a responder a essa lógica, temos um problema, e foi o que aconteceu. Tanto Lula quanto Bolsonaro de alguma maneira operam nessa lógica. Esse é um problema das democracias do mundo inteiro.

Nesse contexto de democracia digital, qual o futuro da nossa sociedade? Como não permitir que se perca o rumo e continue nesse caminho que tem se demonstrado perigoso?

Eu acho que o Brasil deveria fazer um conjunto de reformas graduais. Por exemplo, nós fizemos duas reformas muito importantes em 2017, terminamos com a coligação nas proporcionais e criamos uma cláusula de desempenho. Isso diminuiu o número de partidos e o Brasil deixou de ser a democracia mais pulverizada do mundo. Agora, tem que avançar muito mais. O Brasil despeja uma fortuna em financiamento de campanhas. O dinheiro define muito da política brasileira. Acho que o Brasil precisa discutir o voto distrital, que passou a ser uma forma no mundo inteiro de reaproximar o eleito do eleitor.

Hoje, por exemplo, a região de Pelotas, de mais de 800 mil habitantes, tem dois deputados federais e Pelotas em si não tem nenhum deputado estadual.

Isso é absurdo. Se tivesse voto distrital, Pelotas teria “o” deputado estadual, que tem que representar todo mundo. Já aí você tem uma ruptura com essa lógica partidária, ele representa um partido, mas mais do que isso, representa a região. As grandes democracias do mundo funcionam assim. Canadá, Estados Unidos, França, Alemanha… O Brasil precisa discutir isso com seriedade.

Pelotas e o Rio Grande do Sul vivem um ciclo de domínio da centro-direita. Há uma tendência de reversão nesses cenários locais a partir da influência do governo Lula?

Vai depender do desempenho do governo federal. O simples fato de o governo ser de uma ou de outra tendência não implica automaticamente em uma vantagem para liderança regional. Pode acontecer o contrário, a eleição intermediária servir como uma espécie de reação. A esquerda como um todo passou por uma crise violenta, 2016, 2018, 2020, há uma certa tendência de reversão nessa curva. Está no poder, tem recursos, não há tendência de que a economia vá desandar ou nós vamos ter um cenário desastroso até o ano que vem. O ciclo de declínio eleitoral regional da esquerda e do PT deve se estancar. Agora, se vai haver uma reversão, é muito difícil de dizer. As eleições municipais têm uma lógica própria. Eu acho que há um certo cansaço da ideologia no País. O Brasil passou por uma exaustão ideológica. Talvez haja uma demanda do eleitorado por uma discussão mais pragmática e a eleição municipal ajuda isso. O fato de o cara se dizer lulista ou bolsonarista não é o suficiente para convencer o eleitor para ser, no fundo, o administrador da cidade.

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