Especial DP

Para reforçar velhas e novas lutas

No Dia do Professor, o Diário Popular traz relatos de três gerações de educadores que criticam as atuais condições da profissão

Jô Folha -

JF_5767

Rogério Würdig critica MP do Ensino Médio (Foto: Jô Folha - DP)

O quadro, um escudo; o giz, uma espada. Na troca de ideias, a humanização; e, nela, a educação. Percepções romantizadas à parte, lecionar é ajudar a desvendar um novo mundo. Para que isso aconteça, no entanto, é necessário que os condutores deste processo tenham, no mínimo, qualidade de vida - a qual elevaria se tivessem sanadas demandas importantes, como a conquista do piso salarial nacional. A maioria, porém, precisa resistir 60 horas semanais diante de uma sala de aula repleta de dúvidas e desinteresse. A realidade que cerca os professores, ainda, tem sofrido mudanças consideradas retrógradas pela categoria, a começar pelo parcelamento de salários na rede estadual, que vem desde o último ano, desembocando na Medida Provisória (MP), em nível federal, que flexibiliza o Ensino Médio. São temas frescos entre educadores, independentemente de tempo de profissão ou da rede a que estão vinculados. No Dia do Professor, três gerações de profissionais questionam o próprio protagonismo na Educação.

É um momento marcado por fragilidades. É o que avalia o diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (FAE/UFPel), Rogério Würdig. Não há avanços positivos para a área, pois as decisões governamentais mais recentes ameaçam a autonomia do profissional - justifica. O texto inicial da MP do presidente Michel Temer (PMDB), que gerou polêmica por desobrigar Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física no Ensino Médio, pode resumir a sensação ameaçadora entre os educadores. "Essa Medida Provisória retira a expressão, o movimento e a reflexão de sala de aula. E é o pensamento crítico que dialoga com todas as outras ideias".

Educação é contexto
Rogério Würdig opina: "Educação é inserção. Eu ainda creio nessa paixão que nos move, de educar o povo brasileiro". Conforme pontua o diretor da Faculdade de Educação, praticamente todas as carências sociais que hoje afetam a população estão diretamente vinculadas à desvalorização da Educação. "Os professores não são chamados nem pra dialogar com o governo. No momento que a gente acolhe cultura, existe a possibilidade da pessoa se humanizar", coloca. Em sua percepção, a multiplicação da violência, da forma que acontece no Brasil, não existiria em níveis tão altos se prescindisse de uma educação de qualidade - com direito a mesa, cadeira, quadro, merenda, higiene, recreação e atividades de classe. Assim, é possível concluir que a mudança social está sobre pilares sustentados pela Educação.

*Renata Allemand, 58 anos
Professora de Artes aposentada
Lecionou na Escola Técnica Estadual Professora Sylvia Mello, no Colégio Municipal Pelotense, na Escola Estadual de Ensino Médio Monsenhor Queiroz e atua no Cpers/Sindicato

JF_4511

(Foto: Jô Folha - DP)

Há oito anos aposentada, a professora de Artes Renata Allemand não se desvencilhou da educação: hoje, atua no Cpers/Sindicato. De seus mais de 30 anos de sala de aula, traz a experiência da influência política na educação - segundo ela, as siglas no poder estão sempre muito interligadas com as condições de trabalho. "Dependendo do governo, a gente tinha mais ou menos recursos na escola. É bastante complicado", recorda. Decisões que, em muito, influenciam o olhar da comunidade sobre a categoria. "Claro, há exceções, mas a valorização da figura do professor vem diminuindo. O Conselho Escolar, neste sentido, é muito importante - na manutenção da estrutura e da qualidade de trabalho do educando", salienta.

Renata lembra com carinho dos anos em que esteve lecionando. Ela conta nunca ter tido problemas de relacionamento com os estudantes, que ainda a encontram e tentam fazê-la lembrar-se deles. Pela matéria que ensinava, tinha 60 horas a cumprir. "Resultado: muitas turmas e poucas aulas", resume. A professora chegou a dar aulas para até 300 alunos. Ela relata observar, atualmente, impaciência por parte de alguns professores; pouca vontade de fazer, por causa do contexto da rede estadual - sugere. Muitos educadores, cansados da realidade da profissão, migram de atividade.

*Ana Paula Bastos, 23 anos
Professora de Português, Literatura, Inglês, Espanhol e intérprete de Libras
Formada em Letras e acadêmica do bacharelado em Libras

Jer?nimoGonzalez_IMG_4705

(Foto: Jerônimo Gonzalez - DP)

A educação toma a vida de Ana Paula Bastos, formada há dois anos, e pouco mais de um ano em sala de aula. Apesar da formação em Letras, já ofereceu aulas particulares de Matemática e Física, para tentar engordar as finanças. Atualmente, de segunda a sexta-feira, as manhãs são como intérprete de Libras no Colégio Pelotense. Às tardes, lecionava em uma instituição de Educação Infantil, mas largou por beirar o esgotamento - já que no turno da noite é professora de Português, Literatura, Inglês e Espanhol na Escola Estadual de Ensino Médio Colônia de Pescadores Z-3. E aos sábados, ainda, vai até Porto Alegre e, então, Santa Rosa para dar continuidade no bacharelado em Libras. Os domingos poderiam ser de descanso, mas são dedicados a organizar a semana que chegará.

Grande parte do salário é gasto em fazer de ônibus os trajetos à Z-3 que, por ser zona rural, não possui vale-transporte integral. Ana Paula nota que muitos colegas estão optando por outras carreiras, distantes da educação. "É assustador. Cada vez menos gente querendo seguir a carreira de professor. As pessoas estão se decepcionando e desistindo", lamenta. "Escolhi a docência pra tentar mudar a percepção dos alunos sobre o professor; tentar fazer algo diferente. Mas nossas ideias são frustradas porque a qualidade de trabalho é baixa". Ao se desdobrar em tantas, a jovem dribla o cansaço físico e emocional para manter firme o objetivo de tornar a sala de aula em um espaço de diálogo com os estudantes. Mesmo motivada pela função, começa a ter dúvidas se vai conseguir seguir adiante por mais tempo. "É muito desumano ter que trabalhar tanto pra ter o mínimo de qualidade de vida", desabafa.

*Cristiane Quiumento, 44 anos
Professora de História das redes particular e pública e diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro)

JF_4759

(Foto: Jô Folha - DP)

Ao abordar os temas Educação e o dia alusivo à sua área de atuação, a professora Cristiane Quiumento combina seu depoimento com o receio de perder direitos sociais conquistados, a duras penas, pela categoria. Um medo que ganha maiores proporções com a reforma do Ensino Médio - sustentado por uma medida, conforme o próprio nome diz, provisória; temporária - e que, concordando com o diretor da FAE, fere a autoridade do professor. O cenário fica mais denso com a possibilidade de aprovação de projetos como o Escola Sem Partido. "Estamos perdendo o protagonismo em sala de aula. Sou professora de História, como vou falar sobre Nazismo com os alunos sem uma visão crítica?", questiona.

Cristiane pontua que o professor, não poucas vezes, cumpre papel de mediador de situações que não são sua responsabilidade. Ela cita a Síndrome de Burnout, que se refere ao esgotamento profissional, como a "doença do professor". De acordo com ela, o contexto em que está inserido o profissional - como estrutura precária, principalmente na rede pública, e salários que chegam ao piso somente com completivos - fragilizam sua qualidade de vida. "A gente não discute com a patronal só salários, mas um contexto. Queremos negociar a hora/atividade na rede privada, porque nosso trabalho não termina em sala de aula. Precisamos de melhores condições de trabalho", defende a sindicalista.

Menos estudantes por aula e capacitação de profissionais para lecionarem a alunos especiais são outras reivindicações dos educadores. Professora em instituições privada e pública, há mais de dez anos, ela avalia que a participação de familiares de alunos da rede particular é mais ativa. "Nos últimos anos a comunidade vem dando aporte ao professor. Na rede privada mais, até por estar pagando um preço. O que a comunidade da rede pública não se dá conta é que ela também paga um preço alto pela educação", alega.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Projeto Valor à Vida leva cabine fotográfica à Pediatria

Educação digital segue apenas no papel nas escolas gaúchas Próximo

Educação digital segue apenas no papel nas escolas gaúchas

Deixe seu comentário