Entrevista
Pelotense trabalha no acesso a medicamentos no Médicos Sem Fronteiras
Francisco Viegas atuou no processo de quebra de patentes de tratamento para tuberculose; o fármaco passou de 1,50 dólar por remédio para 0,50 dólar
Divulgação - DP - Advogado trabalha como assessor de política em inovação em saúde
Dedicada à ajuda humanitária há mais de 50 anos, a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), em seu trabalho de campo esbarra na falta de remédios e outras tecnologias de tratamentos necessárias aos pacientes em situação de vulnerabilidade. São fármacos para doenças negligenciadas em diversos países do mundo, como malária, tuberculose e desnutrição. Para atenuar esse problema, existe há 24 anos a Campanha de Acesso a Medicamentos Essenciais, braço da MSF em que atua o advogado pelotense Francisco Viegas.
Formado pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Viegas já trabalhou por sete anos no Ministério da Saúde (MS), na Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDI) e na Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) em funções semelhantes às executadas no Médicos sem Fronteiras.
Qual o trabalho que vocês fazem na MSF?
Trabalhamos no desafio de acesso a medicamentos que são de alto custo ou que não existem disponibilidade porque são para doenças negligenciadas em que não há o interesse da indústria farmacêutica de desenvolvimento. Ou ainda que simplesmente não estão disponíveis para as populações que necessitam. É uma unidade que foi criada para pensar em políticas públicas para pressionar os Ministérios da Saúde, governos e as empresas para que sejam apresentadas alternativas e políticas mais eficientes para essa questão. Fazemos campanhas para que a indústria revele seus custos reais de inovação, baixe seus preços. Muitas vezes através das nossas pesquisas nós conseguimos descobrir que os itens custam muito menos do que a indústria diz. As empresas também fazem uma série de estratégias e tentam prolongar a patente e afastar os genéricos para ter mais lucros.
Qual a sua função?
Eu sou assessor de política em inovação em saúde. Nosso trabalho é voltado em como as patentes e a propriedade intelectual podem ser uma barreira para o acesso a medicamentos. Abordamos também a falta de transparência da Indústria Farmacêutica que geram altos custos em medicamentos. Meu trabalho, especificamente, é com a questão que envolve produção, desenvolvimento, ensaios clínicos e como podem haver regulamentações mais eficientes que garantam o acesso aos remédios desde o início da pesquisa. Para que não chegue no final do processo e aconteça o que vemos: medicamentos caros e sem fornecedor. Então a gente busca incidir na questão de contratos, cláusulas que viabilizem um preço final acessível e mais de um produtor. Atuamos bastante para mudanças de políticas públicas.
Quais pautas estão sendo trabalhadas atualmente?
Hoje eu estou acompanhando uma discussão na Organização Mundial da Saúde sobre um acordo de pandemias. Isso, para que o mundo esteja melhor preparado para uma futura pandemia e para evitar aqueles desafios que passamos com falta de acesso a medicamentos e vacinas. É um tema que eu tenho acompanhado bastante de perto, queremos evitar os erros do passado, como atraso na chegada de vacinas, respiradores, tudo que houve com a Covid. Além disso, tem uma série de campanhas que estamos fazendo hoje e ainda não tivemos respostas. Estamos pedindo que testes para tuberculose sejam mais acessíveis, já que atualmente são bem caros. No Brasil estamos com dois projetos: na região yanomami, a partir da declaração de emergência humanitária e na região do norte do Belém, que tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) bastante reduzido, esses são os dois focos de emergência no momento.
Há um exemplo recente de medicação que foi acessada por meio desse trabalho?
Houve uma pressão recente agora de julho em relação a medicamentos para a tuberculose. O remédio foi desenvolvido por uma empresa, só que estava muito caro e não tinha opções de genéricos para muitos países. A principal patente deles venceu, mas a questão é que nunca tem apenas uma para o mesmo medicamento, eles tentam prolongar o monopólio. Fizemos uma mobilização para que eles não executassem essa patente secundária e esse estendesse além dos 20 anos da primeira. E para que assim entrasse os genéricos mais acessíveis. Como resultado, ela [empresa] anunciou que seriam distribuídos os genéricos dessa formulação num número grande de países. Esse é um trabalho em conjunto que estamos fazendo há anos. Foram mais de cinco anos para anular uma patente secundária na Índia. Consideramos uma vitória, mas não total porque não foram incluídos todos os países do mundo. Mas raramente é tão amplo como gostaríamos.
Qual seria a diferença de valores dos medicamentos após a quebra de patente?
É uma demanda de milhões por esses remédios. Quando falamos em comprimidos que possam custar dois dólares, por exemplo, em um país que tem um índice grande de tuberculose, o tratamento hoje custa 1,50 dólar por dia e um tratamento de seis meses daria quase 300 dólares. Temos estimativas que o genérico poderia ser mais barato que 50 centavos. Na Hepatite C, um medicamento que foi lançado a 84 mil dólares nos Estados Unidos, hoje já tem genéricos a menos de 50 dólares para o tratamento completo, é uma diferença brutal dos valores.
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