Educação

Prova de História vira polêmica em escola de Pelotas

Pais de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental classificaram de “doutrinação” conteúdo que abordou questões trabalhistas

Uma simples prova para testar os conhecimentos de História dos alunos do 5º ano se transformou em uma grande polêmica esta semana em Pelotas. Pais de uma das alunas da escola particular que aplicou o teste não concordaram com o conteúdo e resolveram expor nas redes sociais o que classificaram como “panfleto com propaganda sindical”.

A insatisfação, segundo os pais Carlos Floor, 38, e Janaína Mesquita, 34, se deu pela forma como os temas relacionados a escravidão e relações de trabalho no Brasil foram abordadas pelo professor. No material, as crianças com idades entre nove e dez anos de idade tiveram que responder a perguntas relacionadas a temas bem atuais, capazes de gerar embates acirrados até mesmo entre adultos: as reformas trabalhista e previdenciária. Publicadas nas redes sociais, até a tarde de ontem as imagens da prova renderam mais de 800 compartilhamentos e dezenas de comentários. A maioria criticando o conteúdo da aula e acusando a Escola Santa Mônica de “doutrinação”.

Em uma das questões, uma charge mostra um empresário ao lado de um saco gigante de dinheiro com a inscrição “riqueza criada pelos trabalhadores” pagando seu funcionário com um pequeno pacote identificado como “salário”. Ao lado, outra ilustração tem um grupo de pessoas com a faixa “a greve é nossa arma”. Em seguida, os alunos tiveram que responder perguntas cujas respostas consideradas corretas foram aquelas que apontaram que os trabalhadores recebem baixos salários e, por isso, entram em greve.

Para Janaína, crianças do quinto ano não têm condições de discutir questões como esta, consideradas por ela como subjetivas. “Dois mais dois são quatro, mas a reforma trabalhista é mesmo ruim? Eu acho que não, ele acha que sim. Cada um tem o direito de ter o seu posicionamento, mas isso não pode ser cobrado em uma prova”, criticou no Facebook.

Turbinadas por páginas na Internet que defendem leis que impeçam a apresentação em sala de aula de opiniões políticas, partidárias, ideológicas, religiosas e morais, as publicações geraram pressão de grupos políticos sobre a escola. “Nos últimos dias estamos sendo procurados por grupos de extrema direita que nos pressionam para mudar a abordagem. Virou uma questão ideológica entre direita e esquerda que não nos diz respeito, nosso papel não é esse”, afirma a diretora administrativa da escola, Mônica Botelho.

Por outro lado, Janaína diz que, apesar do apoio nas redes sociais, também não se sente confortável desde que a polêmica se instalou. Evita até mesmo falar sobre a conversa que teve com o professor de História da filha. “Em uma reunião na escola ele deixou subentendido que poderia nos processar devido à exposição. Por isso achamos melhor nem mencioná-lo, apenas discutir a questão de que a prova de História não tem História.”

O Diário Popular tentou conversar com o professor. O jornal foi informado pela direção da escola de que tentaria localizar o profissional para colocá-lo em contato com a reportagem. No entanto, até o fechamento desta edição não houve retorno.

Abordagem é possível
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Álvaro Hypolito, é papel da escola discutir e contextualizar em aula os temas atuais. Contudo, pondera que isso precisa ser feito com uma proposta adequada à idade de cada turma. O educador afirma ainda que a defesa de propostas como a “Escola Sem Partido” são formas de impedir um debate que leve em conta a vida real, restringindo os conteúdos a análises conservadoras.

“Qualquer conteúdo pode ser tratado de uma forma crítica sem que haja doutrinação. A ideia de previdência, por exemplo, pode gerar um debate em torno da noção de solidariedade e direitos. Qualquer tema pode ser problematizado com as crianças com sua didática e profundidade específicas”, argumenta.

Janaína Mesquita, mãe de uma aluna do quinto ano
O que os motivou a divulgar a prova nas redes sociais?
Foi mostrar que existe uma forte tendência por parte de alguns professores de militar dentro da sala de aula e que este tipo de atitude ocorre cada vez mais cedo. Eu não acredito que este seja o papel do professor e sempre que identificar algo do gênero irei me manifestar, pois estou no meu direito. Postei na minha página pessoal com poucos contatos. Jamais imaginei tamanha repercussão, mas tenho recebido bastante apoio.

Quando procuraram a escola, a quem recorreram e que tipo de resposta tiveram?
Procurei a escola no dia seguinte. Marquei com a coordenadora do quinto ano, mas fui recebida por várias pessoas responsáveis pela administração. A resposta que obtivemos é de que o conteúdo da avaliação estava de acordo com os livros do quinto ano elaborados pelo MEC. Em momento algum me referi ao conteúdo do livro e sim da prova que mais parecia um panfleto da CUT com propaganda sindical. Questionei a ausência de conteúdo de História e o viés ideológico que me pareceu explícito. Também questionei a falta de maturidade de crianças de 9 e 10 anos para abordar assuntos como sistema previdenciário e reforma trabalhista, além do fato das questões não darem a possibilidade do aluno discordar ou opinar, afinal de contas eram charges que representavam opiniões. Mais uma vez obtive como resposta que estava tudo o.k. com o material e que a prova estava de acordo.

A filha de vocês continua estudando na escola e tendo aulas com o mesmo professor?
Minha filha segue até o fim do ano na escola. Depois iremos avaliar.

Mônica Botelho, diretora administrativa da Escola Santa Mônica
Como a escola reagiu às críticas destes pais?
Já no primeiro dia em que tivemos conhecimento conversamos com a mãe da aluna e apresentamos nossa posição, já que o conteúdo dado em sala de aula e nas provas é adequado. Falamos sobre isso inclusive com outros pais, que se mostraram surpresos com a repercussão, já que disseram que estudam junto com os filhos para as provas, tinham conhecimento do conteúdo e não discordam dele.

Diante da polêmica nas redes sociais, outros de alunos reclamaram?
Essa mãe que não concordou com a prova e publicou nas redes sociais foi a única a questionar e levantar esse viés ideológico sobre o conteúdo. Temos quase cem alunos em nossas turmas de quinto ano e nenhum outro procurou a escola para reclamar. Infelizmente nos últimos dias isso se tornou uma polêmica em que os fatos foram distorcidos e muitas pessoas, sem o conhecimento do contexto, passaram a atingir alunos e professores. Virou uma discussão ideológica, o que não é a função da escola. Aqui trabalhamos com ampla abordagem, estamos sempre apresentando diferentes pontos de vista sobre os assuntos.

Internamente, isso gerou algum debate da direção com os professores?
A opinião de todas as famílias é sempre bem-vinda e levamos em consideração. Embora o conteúdo esteja adequado e diversos pais tenham procurado a escola para dizer que nos apoiam e não se sentem representados por esse ponto de vista que causou a polêmica, vamos conversar com os professores e verificar a forma de abordagem dos temas.

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