Acolhimento
Ronda noturna busca acolher moradores de rua
Pessoas que são acolhidas têm acesso a chuveiros, alimentação e camas para dormir quentinhos nos dias mais frios
Carlos Queiroz -
Diariamente, às 23h, a equipe de Casa de Passagem, da Secretaria de Assistência Social (SAS), sai do bairro Navegantes e percorre as principais ruas, avenidas e locais frequentados por moradores em situação de rua de Pelotas. A abordagem, que é realizada por educadores sociais, tem como objetivo oferecer acolhimento e um local para dormir para aqueles que não têm um lar, principalmente em dias de temperaturas mais baixas.
O inverno só começa oficialmente na próxima terça-feira, dia 21. No entanto, as ondas de frio que passaram pelo Estado trouxeram o clima gelado à Zona Sul antes do previsto. Com isso, nesta época, serviços que realizam o acolhimento de pessoas em situação de rua passaram a ser mais procurados. Em Pelotas, um dos locais que recebe moradores é a Casa de Passagem, com capacidade para abrigar 88 pessoas. O espaço é conhecido e utilizado por muitos, como conta a educadora social da SAS, Michele Porciúncula, 40. "O pessoal nos procura bastante, principalmente no período de frio. Alguns já ficam direto aqui. Saem durante o dia e voltam à noite. Hoje mesmo temos 41 pessoas que irão passar a noite aqui", pontua.
A reportagem acompanhou a ronda realizada na noite de terça-feira. Às 21h o micro-ônibus saiu da sede da Casa e começou o recrutamento, que na maioria das noites é feito apenas pela educadora social e pelo motorista. Michele compartilha que a ronda é feita em locais específicos, onde a equipe já sabe que será possível localizar esses moradores. Ela também compartilha como é feita abordagem. "A gente convida a pessoa para vir. Falamos que tem janta, banheiros para tomar banho e que eles podem levar seus animais. Mas a gente não pode obrigar ninguém. Se quiserem vir, nós levamos até a Casa de Passagem. Mas se não quiserem, fica o convite para aparecerem no outro dia", diz Michele.Ronda passa pelas principais ruas da cidade. (Foto: Carlos Queiroz)
Seguindo pela avenida Juscelino Kubitschek, na primeira parada em um antigo supermercado, moradores dormiam no local junto a três cachorros. O chamado feito por Michele foi negado. Já deitados, eles preferiram ficar no local. Um dos moradores, identificado apenas como Matheus, contou que não iria naquele dia. "Eu prefiro ficar aqui mesmo, mas amanhã vou ter que ir para lá porque o guardinha que fica aqui falou que hoje era a última noite que poderíamos dormir aqui e que depois teríamos que achar um outro lugar. Então vou pra lá".
Próximo daquele local, um outro idoso dormia na rua, dessa vez com apenas alguns cobertores e um colchão fino, que o impedia de estar completamente no chão. Michele conta que ele trabalha nas Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul (Ceasa-RS), que fica perto do local, e, por isso, também recusou o convite. "É muito longe daqui [a Casa de Passagem]. Depois eu tenho que vir até aqui caminhando. Quando for mais perto, eu vou durante semana", aponta.
Na sequência do trajeto pelas principais ruas e avenidas da cidade, alguns pontos tinham apenas colchões já deixados por moradores de rua. Em uma outra abordagem, realizada em frente ao Pronto Socorro, havia três pessoas, um deles um idoso, que se mostrou mais rígido e não estava disposto a conversar. Já o casal, sentado há pouco metros em um sofá antigo, também recusou o convite de Michele. O rapaz - que não se identificou - contou que estava trabalhando. "A gente não pode ir, eu trabalho cuidando dos carros dos enfermeiros aqui. Então fico a madrugada toda acordado e durmo durante o dia", explica.
Saindo dali, a ronda ainda passou pela avenida Bento Gonçalves, local que nos últimos tempos tem sido bastante recorrido pelo moradores. E o cenário não foi muito diferente. Houve muitas recusas e, até as 22h30min, ninguém havia aceitado ir para a Casa. "Nós temos algumas regras na Casa de Passagem, então muitos não estão dispostos a segui-las. Muitas vezes utilizam drogas ou não querem tomar banho. Além disso, o frio de hoje ainda está dentro do suportável para eles", pondera a educadora social.
Força em tempos difíceis
Na noite de terça, cerca de 41 moradores estavam na Casa de Passagem. No refeitório, muitos olhavam atentos as noticias que passavam na tevê, mas ao sinal de que a janta seria servida, organizaram-se rapidamente em fila. Entre eles estava G.R., de 26 anos. Ele conta que há seis meses frequenta diariamente o local. "Eu tive um tempo na droga e usar drogas me afastou da família. Teve um tempo em que eu fiquei preso também, saí em outubro e agora estou remando. Foram muito anos, quatro ou cinco, nessa luta, mas tô buscando reconquistar a confiança da minha família", conta.
No tempo em que estava na casa de passagem, o jovem conseguiu deixar as drogas, passou a trabalhar e agora pretende deixar também a Casa, que para foi um ponto fundamental para uma mudança na vida. "Eu não posso reclamar, tive uma casa para me abrigar e aqui tive essa ajuda para recomeçar. Estou me acalmando, consegui um emprego, agora já tenho meu lugar para ir morar e aos poucos reconquisto a confiança dos meus pais. Ainda vou dar muito orgulho para eles", compartilha.
Outra pessoa que também costuma frequentar a Casa de Passagem é Josimar Nobre, 35. Ele relata que há três anos utiliza os serviços do local e que o tratamento que recebe é sempre com muito carinho. "Agora faz um ano e seis meses que eu tô aqui. Tenho enfisema pulmonar, não tenho como ir para outros lugares, então fico aqui direto. Faço meus tratamentos e sou muito bem tratado, tenho acesso a psicóloga, assistente social, educadores e outras várias coisas", diz.Na Casa de Passagem, Josimar almeja novos sonhos. (Foto: Carlos Queiroz)
Apesar de ter o espaço como uma segunda casa, Nobre almeja trilhar novos caminhos para conquistar sua independência. Para isso, uma de suas motivações é o filho. "Daqui a algum tempo eu quero sair daqui, mas por enquanto eles estão me ajudando. Já dei uns passos para a frente. Já fui dependente químico, mas hoje estou limpo. Tenho um filho de 14 anos que precisa de mim, eu quero sair dessa vida por ele e pela minha família. É difícil sair dessa situação, mas com força a gente consegue. Eu tô esperando conseguir seguir minha vida", finaliza.
A Casa de Passagem fica localizada na rua Darci Vargas, 212, no Navegantes. O local recebe moradores a partir das 19h. Por lá, os abrigados têm acesso a chuveiros, cama e alimentação - além do plantão social da Secretaria e serviços de saúde da prefeitura.
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