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Sabor que é daqui em iogurtes e sorvetes
Essas frutas sempre foram uma realidade e agora têm recebido um olhar mais atento dos produtores
Jerônimo Gonzalez -
Elas têm o sabor da nossa terra, mas não as saboreamos tanto quanto morangos, laranjas, mirtilos. São as frutas nativas do Rio Grande do Sul, araçá, butiá e uvaia entre elas, e recentes pesquisas têm buscado sua inserção na sociedade através da utilização em iogurtes, sorvetes e até balas mastigáveis.
Segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), ainda não foram realizados estudos que quantifiquem a produção de frutas nativas da Metade Sul. “Mas ela existe e bastante. Essas frutas sempre foram uma realidade e agora têm recebido um olhar mais atento dos produtores”, diz o responsável técnico pela produção vegetal da instituição, Evair Ehlert.
Esse reconhecimento maior, continua, é importante para o Rio Grande do Sul, faltando apenas colocar em maior evidência as qualidades nutritivas de butiá, araçá, pitanga, guabiroba. “É compromisso da Emater fazer uma verificação mais aprofundada dessa produção. Acreditamos no potencial”, afirma.
Para Fernando Horn, responsável técnico por recursos naturais da Emater, tais frutas apresentam ao consumidor sabor, textura e aroma diferenciados - apesar de nativos da região. “Existe aí um mercado interessante ao qual o produtor deve estar atento.”
Alguns dos frutos nativos do Rio Grande do Sul
Araçá
Fruta mucilaginosa, adstringente e nutritiva, o araçá pode ser encontrado nas colorações vermelha - mais ácida - e amarela. É rico em vitamina C e antioxidantes, além de ser indicado no tratamento da prisão de ventre, gripes, resfriados e infecções.
Pitanga
Nas folhas da pitangueira foram identificados flavonoides, terpenos, tanino e óleos essenciais. Estudos apontam que a doce frutinha alaranjada reduz a proliferação de câncer como o do cólon-retal, do pulmão, renal, de mama e de ovário.
Uvaia
Fruta de polpa muito delicada, casca fina, ligeiramente aveludada e de cor amarela ou dourada. Tem aroma suave e agradável e sabor doce e ácido. É também antioxidante.
Butiá
Conhecido pela sua utilização em licores, o butiá recentemente também passou a ser utilizado, em Pelotas, na produção de iogurtes e sorvetes, por exemplo. A fruta é excelente fonte de fibras, vitamina C e cálcio.
Sem adicionais
O caminho até a estrada 3 Figueiras, na Cascata, é longo. Vale a pena, entretanto, para conhecer a Quinta Martins, onde o produtor rural Ubirajara Martins cultiva, entre outras frutas, araçá vermelho e amarelo, pitanga, uvaia e butiá. A colheita, na propriedade de dois hectares, vira sucos e geleias que posteriormente são vendidos na cidade, além de servirem para venda às indústrias de picolés e sorvetes.
Para Martins, que ingressou no ramo há nove anos, quando deixou a indústria de conservas para atuar na produção rural, há ainda um olhar muito mais intensivo para frutas exóticas, como o mirtilo, do que às nativas. Ele acredita, entretanto, que a região passou a dar mais valor ao cultivo do que é daqui. Cita o projeto Feira da Agricultura Familiar, da Fenadoce, em que os visitantes do evento puderam conhecer de perto araçás, butiás, pitangas e uvaias. “Existe um uso bastante interessante no ramo da gastronomia também. No Uruguai, inclusive, essa questão está ainda mais avançada, com a utilização em cervejas”, acrescenta.
O produtor, em frente a um pé de butiá recheado de abelhas fazendo a polinização, vê o trabalho que faz como um “contrafluxo à globalização”. “Vimos o mundo, conhecemos coisas interessantes e agora voltamos para dar valor às nossas coisas”, comenta, destacando a não utilização de herbicidas ou agrotóxicos em sua propriedade. “Essa é a última geração capaz de ser educada em relação ao meio ambiente. Nós temos a responsabilidade de transmitir esses conhecimentos”, completa.
A Quinta Martins tem apoio da Embrapa e da Emater. Através do cultivo são realizadas pesquisas científicas sobre as frutas.
Iogurte
Na hora de definir o alimento que seria produzido em seu trabalho de conclusão de curso a nutricionista Tamires Von Pfeil optou por aproveitar o butiá, produzindo um iogurte a partir dele. “Escolhi por o Rio Grande do Sul ser rico em butiazeiros. A produção do fruto é artesanal e isolada, em geral de consumo familiar, o que faz com que o produto não seja bem aproveitado. Enquanto em outras regiões do Brasil o butiá é explorado de forma mais ampla, no nosso estado, onde esse elemento é abundante, não está ao alcance do consumidor”, explica.
A partir da escolha ela partiu para a pesquisa, feita através basicamente de autores mineiros sobre o aproveitamento da fruta naquela região. Em Minas Gerais a utilização é bem mais ampla, pois o butiá é utilizado também na fabricação de artesanatos como bolsas, redes e cestas. Quanto à alimentação, a polpa do fruto é utilizada para fazer picolés, sorvetes e sucos, comenta.
Segundo a nutricionista, a fruta é excelente fonte de fibras, vitamina C e cálcio. Tamires explica que a escolha pelo butiá se deu exatamente pela busca por oferecer à população alternativas de alimentação mais saudável e de maior qualidade, por consequência. O desenvolvimento de produtos alimentícios produzidos com matéria-prima regional deve incentivar o consumo de alimentos que muitas vezes são descartados, opina.
Durante a pesquisa foi realizada uma análise sensorial com a participação voluntária de 101 julgadores selecionados aleatoriamente entre a comunidade da UFPel, com a missão de dar um parecer sobre cinco atributos sensoriais da amostra de iogurte: cor, aparência, odor, sabor e consistência, classificando o quanto gostou e a intenção de compra do produto. O resultado, acima de 90%, é um indicativo, acredita a nutricionista. “Demonstra o quanto estamos perdendo em não investir mais em algo que está tão próximo.”
Balas mastigáveis
No Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFPel, o produto final da utilização de frutas nativas - pitanga, araçá vermelho e araçá amarelo - foram balas mastigáveis convencionais e de baixo teor calórico. O projeto resultou da dissertação de mestrado da hoje mestre Lisiane Vergara, coordenada pela professora Josiane Freitas Chim, responsável pelo Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos, e pela professora Rosane Rodrigues.
O primeiro passo, em junho de 2015, foi a colheita das frutas, com apoio da Embrapa, através do pesquisador Rodrigo Franzon. Na sequência se fez um armazenamento e o processamento das frutas até que finalmente virassem balas mastigáveis. O objetivo é valorizar a própria fruta, pois a população tem poucas informações sobre as tantas possibilidades de utilizá-la, relata.
Josiane, professora na disciplina de Tecnologia de Chocolates, Balas e Caramelos, conta que, com as balas prontas, o passo seguinte foi levá-las para um júri extremamente crítico: alunos de escolas da cidades. O resultado, porém, foi uma aceitação quase completa, principalmente ao sabor de pitanga. “Além de valorizar a fruta, esse trabalho é uma alternativa ao consumo de ingredientes químicos.”
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