Reconstrução

Uma ferida que ainda está longe de cicatrizar

As marcas que fragilizaram o local seguem vivas junto à comunidade

Carlos Queiroz -

Da Colônia de Pescadores Z-3 se vê uma Lagoa dos Patos serena, com um movimento descansado e sem pressa, iluminada por um sol forte e quente que nada lembra o outubro passado. Há um ano, fortes chuvas castigavam a região, elevando o nível dos principais rios, provocando alagamentos e desabrigando milhares de pessoas, inclusive na Z-3. Esta mesma lagoa, hoje tranquila, não comportou a combinação da força dos ventos e do excesso de água e acabou invadindo as ruas e casas da comunidade, criando um contexto de caos, perdas e dor, que se prolongou por semanas. O cenário e a lagoa, hoje, são outros, mas as feridas abertas seguem vivas e ainda relutam a cicatrizar para a grande maioria dos moradores.

Os relatos estão presentes na voz e na memória dos mais jovens aos mais idosos e narram praticamente a mesma história: quando se viu, a água já estava dentro de casa e pouco foi possível salvar. No pátio da casa de Antônio Carlos dos Santos ainda está um armário de cozinha destruído pela enchente, que alcançou cerca de um metro dentro da residência. A esposa e os filhos ficaram cerca de um mês abrigados, tempo para aguardar a água baixar e encontrar condições para retornar. Antônio Carlos permaneceu às voltas da casa pelo medo de furto daquilo que não tivesse sido consumido pela água. "Ninguém esperava que viesse com tanta força. Mas veio e levou o pouco que já se tinha." De lá para cá, a luta para repor as perdas materiais segue lenta, porém firme.

Na casa de Daiana de Freitas, no Cedrinho, um dos locais da comunidade mais atingidos, ainda é possível ver a marca de onde a enchente chegou, também por volta de um metro de altura. Ela e os dois filhos foram resgatados no meio da noite de barco, única forma de se locomover pela Colônia. Por mais de duas semanas ficaram em um abrigo na própria comunidade. Em um ano, foi possível organizar e amenizar grande parte dos prejuízos, mas o medo é um companheiro que se instalou e faz resistência para ir embora. "Aqui é uma região mais baixa, sempre alaga, mas depois do que passamos, qualquer chuva traz a apreensão de que tudo possa acontecer de novo. E apavora."

Entre os que ajudaram no resgate de famílias como a de Daiana está o pescador Sérgio Passos, que acabou somando-se ao trabalho da Defesa Civil. Ele conta que as embarcações navegavam tranquilamente pelas ruas, sem pegarem o chão, devido à quantidade de água que se acumulou no local. Foi a segunda enchente que Sérgio viu tomar as ruas da comunidade - a outra ocorreu em 2001 e também em proporções desastrosas. De ambas, restam as memórias dolorosas e o sentimento de que é necessário se manter firme quando se trata da força da natureza. "Se perde muito, se tem pouco, se pesca menos ainda. Mas a gente segue. Aos pouquinhos e um passo de cada vez."

Há um ano

- A chuva intensa e constante que atingiu a região resultou em um total de 194 desabrigados e 607 desalojados entre a Colônia de Pescadores Z-3, o Laranjal e o Pontal da Barra. 

- Somente entre os dias 7 e 12 de outubro foram registrados 167 milímetros, considerando que a média estimada para o mês é de 170 milímetros.

- Os rios Guaíba e São Lourenço, o canal São Gonçalo e a Lagoa dos Patos estiveram também acima da média, oscilando as cheias mesmo após as chuvas pararem por, pelo menos, mais duas semanas, até o final do mês.

- Foram mais de cem cidades impactadas no Estado, com 26 decretos de emergência.

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