Paulo Rosa
“A Douta Ignorância”: pedagógica
Por Paulo Rosa
Sociedade Científica Sigmund Freud, Associação Psicanalítica Argentina
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Quando o cardeal Nicolau de Cusa, nos anos 1440, concluiu o seu De Docta Ignorantia, não poderia imaginar a repercussão que teria o livro tantos séculos depois. Bem assinala o tradutor português João Maria André, na introdução, que: “se toda a filosofia começa com o espanto e a admiração, toda a aprendizagem começa com o reconhecimento da própria ignorância e dos limites do saber. E esta máxima aplica-se ao discípulo porque se aplica antes de mais ao próprio mestre” (pág. 19).
É salutar e indispensável pensar que só é mestre quem sabe, em primeiríssimo lugar, de sua própria ignorância. Outra forma de dizer, que até me agrada mais, é que mestre é quem nunca perde seu lugar de aprendiz. Não é por modéstia, é por necessidade. Diante da magnitude do mundo e de tudo o que nele há, nossos saberes, por magníficos que sejam, são e serão sempre discretas aproximações. O fato de que a Terra seja redonda é, no caso, uma boa ilustração: quando alcanço um horizonte descortina-se logo outro, a ser alcançado, em um movimento infinito. São boas metáforas para a noção de ciência: chega-se a um conhecimento – que é sempre provisório – e daí se descortinam outras tantas perguntas a serem investigadas.
“A dimensão subversiva da ‘douta ignorância’ está nesta sua mensagem de libertação: libertação de certezas feitas, libertação de desigualdades tidas como naturais, libertação da distância entre o mestre e o discípulo, que vive da perpetuação do discípulo como condição de sobrevivência do [suposto] mestre” (pág. 20). Feliz estará o professor – e ainda mais seu aluno – que, ao transmitir conhecimentos, saiba mostrar sua condição de eterno aprendiz, passando, no caso, ao nível de mestre, pois só assim conseguirá implantar na alma do estudante a inquietação pelo estudo e seu infinito caminho a percorrer. O mundo vê-se cheio de professores, mas dispõe de raros mestres.
A forma de ensino-aprendizagem de Nicolau de Cusa faria bem ao espírito de professores em formação, mas acredito que poucos desconfiam de sua existência e sabedoria. Aqui no país, Paulo Freire, um digno mestre da ‘douta ignorância’ tem sido agredido, bem recentemente, por ignorâncias nada doutas. O resultado aí está: universidades desmanteladas, ensino básico esquartejado, programas de pesquisa à míngua. Onde iria parar nosso Brasil?
Outro tanto imagino para a preparação de políticos profissionais, o bom que seria para nós, o povão, que nossos ‘homens públicos’, e assim as mulheres, trilhassem algo dos caminhos abertos pelo cusano Nicolau. Os últimos tempos foram de amargura e empobrecimento crescente, não só nos debates, mas na vida real da população. Aí está a tarefa gigantesca, e urgente, da retomada – em todos os planos – de discursos e ações públicas iluminadas pela nobreza do “modo douta ignorância”.
Busquemos um “cosmos harmônico”, propõe-nos Nicolau de Cusa.
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