Sérgio Cruz Lima

A verdade sobre dona Amélia

Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Durante apenas dois anos de reinado - 1829 a 1831 - o que poderia ter feito dona Amélia, segunda imperatriz do Brasil, na política brasileira? Quase nada. Seu poderio cifrou-se em nortear para uma senda moralizadora o caráter boêmio de dom Pedro I. Venceu o marido. Sua formosura, apregoada com altas tubas pelos contemporâneos, teve filtros venenosos, que amalucaram o coração enamorado do moço vulcânico. Daí, desse predomínio, as suas vitórias. Vitórias frágeis, na aparência; mas, na realidade, difíceis de serem conquistadas.

De parceria com Barbacena, dona Amélia foi a única que teve o supremo arrojo de tramar - e conseguir! - a expulsão do célebre Chalaça do País. Também conseguiu arredar do marido, João Pinto da Rocha, valido detestável, falcatrueiro cínico, que desmoralizava o trono e o imperador. A figura deixou a corte para um emprego na Europa e lá, após muitas aventuras, meteu uma bala no ouvido. Foi ainda dona Amélia, com ríspida dignidade e compostura, quem conseguiu expulsar do Paço Imperial tudo aquilo que lembrasse a marquesa de Santos, maitresse imperial. Na manhã seguinte à chegada ao Brasil, a duquesinha de Goiás, a bastarda que dom Pedro reconhecera, teve ordem de sair do Palácio de São Cristóvão. Saiu a garota, a toque de caixa, com as suas açafatas, dona Josefa e dona Bárbara, primas da marquesa de Santos, indo as três instalar-se em Niterói, na casa que fora de dom João VI.

Em 1831, o Sete de Abril derrubou-a do trono brasileiro. E ela partiu, ao lado de dom Pedro, para a epopéia que o marido realizaria em Portugal. E enquanto dom Pedro batalhava no Porto, dona Amélia viveu em Paris ao lado da enteada, a jovem rainha de Portugal. Num sonho de visionário, dom Pedro arregimentou o seu pequeno exército para atacar o mano Miguel, que se apossara da coroa lusitana. Triunfante, senhor de Lisboa, logo mandou buscar em Paris a filha Maria da Glória para entregar-lhe o trono. Para Lisboa, com a rainhazinha, veio dona Amélia, que assistiu aos festejos pelas vitórias do marido, acompanhando-o nos gozos embriagantes. Foi ao Porto. Viu os delírios com que a heróica cidade recebeu seu ídolo. Depois foram os fracassos. Veio a impopularidade de dom Pedro. A vaia no teatro. Os apupos. Os punhados de lama. Toda aquela escumalha de ingratidão popular que fervilhou contra o homem que fora o deus na véspera. E começa o martírio. É a doença que vem. São as hemoptises. O quebramento das forças. O leito. A agonia. Em meio a tudo, doce e boa, dona Amélia afaga o marido! Em meio a tudo, acompanha-o transe a transe, inabalável, única na constância e no carinho!

Placidamente, viveu dona Amélia os derradeiros anos de sua vida. A doença da filha levou-a à Alemanha e, daí, mandaram-na para a ilha da Madeira. Aí morreu a única filha de seu casamento com dom Pedro I. Apagou-se o único traço da relação entre os Braganças e os Beauharnais. Daí em diante, dona Amélia viveu crepúsculo sereno. Dom Pedro deixou-a rica. Assim, amparada e tranquila, aquela boneca loura viu chegar certo dia a velha feia, toda ossos, que fecha as pálpebras dos mortais com mãos compridas e muito geladas...

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