Paulo Rosa

Amizade com sangue uruguaio

Por Paulo Rosa
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"Estamos no teatro. Foi-se a época em que o teatro era o ponto de reunião de tudo e de todos; ou pelo gosto despertado da arte, ou então pela agradável sensação que aí nos causava a presença de olhares amigos", do poeta Lobo da Costa, em 1872.

Que eu tenho um irmão uruguaio todo o mundo sabe. Ricardo Eugenio Bernardi Paulós, o nome do jovem. Vive ele na minha amada Montevideo - como não amá-la? -, em Pocitos, às margens do Rio da Prata.

Nuestra fraternidad viene de siglos. Faz mais de 300 anos que ouvi, não sei de quem, que no Sul absoluto do Brasil - onde se dás um só passo, cais já no Uruguai - vivia um psicanalista castelhano. Tomei da bicicleta, em plena Barra do Chuí, a três metros do território hermano, e fui investigar. Era verdade. Ali estava o recém-nomeado, e mais toda sua família. Era a casa de veraneio deles, na barranca mais alta da praia, de frente para a imensidão oceânica. Um lugar aprazível, uma gente macanuda. Fiquei, não saí mais.

De aí fez-se o eixo Pelotas-Montevideo e muito rodamos por esses 600 quilômetros que as separam. Idas e vindas. Ricardo aqui nos trouxe a parceria de seu grupo de psicanalistas amigos e com eles fomos dando base ao que hoje são duas sociedades estabelecidas, primeiramente a Sigmund Freud e, em seguida, a Sociedade Psicanalítica, ambas na rua Princesa Isabel, a 'rua da psicanálise', em Pelotas, as duas já com quatro décadas de funcionamento. Íamos com regularidade à capital uruguaia, em busca de estudos, de análise e de trabalho na Universidad Católica del Uruguay. De tanto frequentar os montevideanos, meu irmão deu-me a chave de sua casa, de modo que, chegando na madrugadita, entrava sem despertar as gentes. Pode haver gesto mais fraterno? Pode, como abaixo se verá.

Montevideo é um universo cultural e científico, coisa que todos sabem. Ali conheci analistas de várias partes do mundo, vindos a convite da Associação Psicanalítica do Uruguai (APU), frequentei grupos de estudo com essa turma de Montevideo e fiz uma outra formação analítica, além da que tinha concluído em Buenos Aires, alguns anos antes. Ademais, desfrutar das galerias de arte, das exposições, dos cafés e da gastronomia local, com suas livrarias, é algo inesquecível.

Neste final de ano, enviei mensagem a Ricardo e sua gente, desejando-lhes um belíssimo 23. Pois meu irmão, no dia seguinte, telefona-me, retribuindo meu saludo e explicando-me que ligava porque tinha saudade e que "quería escuchar tu voz". Pode haver algo mais fraterno e amoroso de parte de um amigo? Compartilho aqui esta passagem porque sinto que falar de amizade é preciso mais do que nunca. Neste mundo humano e conturbado que nos cabe atualmente, onde nestas paragens brasis vinha se valorizando mais o ódio, com seus desdobramentos, do que o amistoso.

Pois, meu querido irmão, nosso Brasilzão aqui resistiu às investidas medievais e, com a ajuda uruguaia, saberá recompor-se. Abraço.​

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