Artigo
Amizade em Foucault
Segundo consta em textos entendidos, a amizade foi o último projeto desenvolvido pelo filósofo, permanecendo inacabado devido à morte prematura de Foucault (1926-1984) em decorrência da Aids, aos 57 anos
Por Paulo Rosa
Caps Porto, Hospital Espírita, Ambulatório Saúde Mental, Telemedicina PM Pelotas
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No percurso que o levou à questão da amizade, esboçado no livro Amizade e estética em Foucault, 1999, Graal, de Francisco Ortega, ressalta o autor que "é interessante que Foucault (…) primeiro se ocupou da problemática do governo (…), como se governam o homens uns aos outros, para daí analisar a temática do governo de si; passagem de grande importância, pois constitui o trânsito da dupla ontologia de poder/saber à tripla de poder/saber/si mesmo (…) trata-se da constituição de si mediante o cuidado constante da verdade", pág. 109. Esta valorização do si mesmo, garimpada a partir dos textos clássicos gregos, será um dos elementos que levou o francês a priorizar, em seus últimos passos, a questão da amizade como elemento princeps na organização das sociedades e na constituição de si.
Já no início do livro, pág. 16ss, Ortega destaca: "Foucault critica, com justiça, os efeitos de violência correlatos à divisão dos sujeitos em espécimes sexuais. Mas a crítica não para por aí. Ele via a cultura moderna como daninha à consciência de si, porque a moral da suspeita em relação ao sexo destrói, pouco a pouco, a confiança do sujeito na aptidão para conduzir os rumos de seu próprio desejo. Para que o prazer possa ser um critério para o reconhecimento do uso correto da palavra liberdade, é necessário diferenciar o prazer que escraviza do que libera. (…) Distinguir o prazer do super-homem do prazer do psicopata ou do burguês viciado em sexo, drogas e credicard". O próprio Foucault, em Ditos e escritos IV, 1980-88, citado por Ortega, refere: "no culto californiano de si se deve descobrir, por princípio, seu verdadeiro eu (…) exatamente uma reversão da cultura clássica de si. Isso ocorreu na era cristã, quando a ideia de si, a qual se tinha de renunciar _ porque se ligar a si mesmo era se opor à vontade de Deus _, foi substituída pela ideia de um si que era preciso construir e criar como uma obra de arte".
Elementos como reciprocidade e simetria, próprios da amizade, parecem ter inspirado Foucault a focar, em seus projetos finais, no sentimento amistoso como adequado para conceber a constituição de si _ transitando pelo "escândalo da verdade" _ e sua expansão para um sentido coletivo, configurando a estrutura social.
Entre os clássicos referidos por Foucault, está Políbio, que diz: "somente entre os aqueus se encontra um regime e um ideal perfeito de igualdade, de liberdade, em uma palavra, de democracia", pág. 110. Quão atual é o francês e como nos seria saudável se nossos políticos o levassem em conta! Descobririam, entre outras coisas, que a amizade, como forma de intersubjetividade prática, é "uma conjunção entre ética e política".
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