Marcelo Oxley

Com todos os requintes de crueldade

Por Marcelo Oxley
Jornalista
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Copa do Mundo de 1990, Itália. Meu pai tentava fazer o melhor e disponibilizava vários televisores ao redor da nossa modesta sala para que pudéssemos ver os lances da Seleção. Eu tinha 11 anos e até hoje sonho com aquela arrancada de Maradona e gol letal de Claudio Caniggia. Minhas lágrimas corriam soltas e tive que ser consolado por minha mãe e uma generosa cremeira de sorvete.

Sempre fui alucinado por futebol, por meu Lobão e minha Seleção. Além de 90, sofri outras tantas vezes: 1998, 2006, 2010, 2014, 2018 e agora em 2022. Como sofredor nato e de carteirinha, já estou acostumado, mas a dor de uma eliminação numa Copa tem poder incomparável, devastador. A Seleção para mim é tudo. Não importa o governo. Quem não torcer por ela por este motivo deveria fazer análise psicológica.

Espontaneamente, meus filhos estão seguindo meus passos e o amor que têm pelo Brasil e por nossa Seleção me enchem de orgulho. Estávamos respirando a Copa do Catar: compramos álbuns de figurinhas, bola da Copa, camisetas da Seleção, bonés, vuvuzelas e nos reunimos em todos os jogos do Brasil. Eles estavam sentindo o gostinho de serem brasileiros e o esporte tem o poder de dar esse passo.

O jogo contra a Croácia foi nosso primeiro dentro do torneio que despertou receio. Equipe europeia, forte fisicamente e que desempenhava grande papel defensivamente. Mesmo assim, Neymar nos fez sorrir na prorrogação e estávamos escapando do que mais temíamos: decisão por penalidades. A alegria em casa era contagiante e o churrasco era saboreado com calma, pois faltavam apenas quatro minutos para o término da partida.

Quando ainda jogava futebol de salão ou peleias de escola, se estivesse vencendo por um gol e a partida se aproximasse do final, era regra fazer o que fosse para não tomar o empate, sob pena de xingamentos e voo de garrafinhas de água na beira da quadra. Montávamos o “ferrolho” na beira da área ou estacionávamos um ônibus para que não passasse a bola. Cartões vinham ao natural, é futebol, somos apaixonados por ele e a vitória é muito melhor que a derrota.

O que a Seleção fez com sua nação, com os amantes do futebol, teve requintes de crueldade. Tomamos gol na prorrogação! Colocamos em campo jogadores com características de marcação e eles conseguiram tomar contra-ataque mortal. Me belisquei e queria que fosse pesadelo. Não foi! Tite não conseguiu se impor e mandar o time não atacar, matar a jogada de qualquer maneira e ter aquela malandragem que todo jogador brasileiro é reconhecido. Por Deus, estávamos a 240 segundos de uma semi de Copa e ninguém se impôs, foi bravo, guerreiro e inteligente.

As lágrimas dos meus filhos me remeteram a 1990. Os consolei sem sorvete. Não foi tarefa simples dizer-lhes que daqui a quatro anos teremos de novo. Não culpamos ninguém, a não ser a maneira dolorosa como fomos eliminados. Uma tragédia pelo contexto. Um absurdo tratando-se de profissionais que ganham milhões. O Brasil os perdoaria se o gol de empate fosse num bate-rebate na área ou cruzamento certeiro, mas, da maneira como foi, teremos dificuldades em aceitar.

Concordo com o ditado “futebol é uma caixinha de surpresa”. Fizemos tremenda força para que essa máxima fosse colocada mais uma vez em cena. Confidencio que na Copa de 2014, no Brasil, não senti tanto sua marca avassaladora como a do Catar. Naquele ano tínhamos uma Alemanha diferente e nesse acreditamos numa Seleção Brasileira de cara nova.

Deve demorar para juntarmos os cacos e cicatrizarmos feridas. Não há mágoa ou rancor de jogadores ou comissão. Talvez tenha lhes faltado pulso e sua ausência foi decisiva. Guardaremos nosso material de torcida, seguiremos amando nossas cores e na próxima Copa estaremos com energias renovadas em busca do tão sonhado hexa. São mais de 20 anos de espera.

“Não tinha necessidade de vocês subirem ao ataque. Fica aqui! Está 1 a 0 e faltam cinco minutos [na verdade quatro]. Vai subir para quê?” Neymar, no gol de empate da Croácia.​

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