Sergio Cruz Lima
O enigma da abdicação
Por Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
Por que Dom Pedro I abdicou? Fê-lo voluntariamente? Fê-lo forçado pelo motim que estourou no Campo de Sant´Ana? Não se sabe. Na verdade, historiadores ainda discutem a curiosa tese, mas não chegam a conclusões limpas. Só há, até hoje, uma coisa certa: Dom Pedro, depois que Dom Miguel usurpou a coroa de Portugal de sua sobrinha, Maria da Glória, o imperador não pensou noutra coisa senão em desforrar-se do pérfido irmão. E essa era, na época, a ideia fixa de sua majestade. Todos os que conviveram com ele relatam essa preocupação obsidente. Nesses dias amaros, Dom Pedro sonhava voar pelos mares afora e reintroduzir no trono lusitano a filha destronada.
Assim, quando explodiu o motim do Campo de Sant´Ana, bem poderia ser que o imperador nele encontrasse belo pretexto para deixar o Brasil. Bem poderia ser que Dom Pedro em sua fome de vingança aproveitasse a efervescência popular para deixar voluntariamente o Império e pôr-se à frente do movimento constitucional contra Dom Miguel, usurpador do trono lusitano. Mas nada há positivamente assentado sobre isso. Tudo são conjeturas. Todavia, há fatos que parecem corroborar a “abdicação voluntária” do monarca. Em primeiro lugar, a manifesta e incompreensível alegria de sua majestade, até uma jovialidade inoportuna, quando ainda recolhido na “Warspite”, nau inglesa, arrolava com a sua própria letra os bens particulares que deveriam ser vendidos. Longas e frequentes conversas mantinha sua majestade com os seus procuradores sobre meios de haver em moeda o valor das suas propriedades. Nelas, Dom Pedro mantinha-se tranquilo. De bordo, o agora duque de Bragança enviou ainda várias cartas ao marquês de Caravelas, regularizando os seus negócios financeiros com o governo. Impossível cartas mais minudentes, algarismos mais exatos. O balanço é perfeito. As cifras alinham-se com espantosa precisão. Tudo feito pelo próprio imperador, com a sua letra. À vista de tais fatos, não se sabe se Dom Pedro abdicou forçado ou se abdicou porque quis, feliz e contente.
De outra sorte, é de se notar que Dom Pedro não esboçou o menor esforço para conter o motim. Sua majestade permitiu que a desordem se avolumasse à vontade. Não quis contê-la. Quisesse Dom Pedro e a revolução estaria sufocada. Quisesse sua majestade e o motim, com meia dúzia de bocas de fogo, estaria fatalmente disperso. Mas Dom Pedro não fez um único gesto. Não deu uma ordem. Não convocou um só batalhão. Não quis apelar nem consentiu que se apelasse para o emprego da força armada. Tais fatos, bem pensados, hão de pôr, certamente, os historiadores em dúvida. Dom Pedro abdicou forçado? Dom Pedro abdicou voluntariamente? Pelo que tenho lido sobre o tema, é muitíssimo provável que Dom Pedro tenha abdicado porque quis. Abdicou porque estava fascinado pela ideia de recolocar a filha no trono. Abdicou porque já havia tramado com os liberais portugueses constitucionalistas a derrubada do aleivoso irmão Dom Miguel. Não parece isso? Digam os historiadores de verdade: os “Capistranos” e os “Taunays”. A questão está posta.
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