Celina Brod
Confiar para crer na neve e nos líderes políticos
Por Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Ainda não sei prever o clima de Providence. Não tenho a repetição acumulada para saber as diferenças, aqui minha meteorologia caseira não funciona direito. Quando acostumados a uma terra sabemos sentir o futuro chegar, conseguimos adiantar o dia chuvoso, a umidade ou o vento gelado. Nesse lado de cá, não sei dizer quando a chuva vem, o que acontece com a brisa ou quando o sol irá voltar. Entrego todas as minhas crenças ao canal do tempo. Crença, essa coisa sem cheiro ou sabor, é o andaime das nossas ações.
No dia 11 de dezembro a previsão alertava para a probabilidade de neve, 60% de chance de nevar no meio da tarde. Acredito ou não acredito? Espero a neve sentada de frente para janela do meu quarto ou saio de casa para esperar em outro lugar? Decidi sair. Acreditando que iria nevar, tomei decisões práticas. Coloquei meias de lã, aumentei o número de camadas de roupa, escolhi o casaco mais quente, vesti luvas e no caminho comprei uma touca. Era a crença em um fato que ainda não havia acontecido que garantia o sentido das ações que eu estava tomando.
Cheguei em uma cafeteria aconchegante e despojada, fiz meu pedido e me acomodei na poltrona. Retomei minha leitura do dia, uma obra sobre o poder da retórica de líderes na política, página 20. Entre um parágrafo e outro, levantei a cabeça, foi quando enxerguei minúsculas plumas chegando ao chão lentamente. Era neve! O investimento na crença meteorológica havia dado certo. Que prazer em não ser frustrada! A neve provava que a aposta na previsibilidade tinha compensado. O que antes em mim existia como ideia pálida e sem vida, agora batia na ponta do meu nariz. Branca, suave e gelada, neve era agora uma verdade. Sentir algo pela primeira vez é imprimir na mente a concretude do que até então era apenas ficção. Acreditar na previsão tinha valido a pena. Ali, naquele instante, eu era pura emoção!
Até que um fato se confirme, a crença fica pairando como confiança e expectativa. Quanto mais improvável, distante e sustentada por mero desejo, chamamos de ilusão. Quando os fatos confirmam o contrário e insistimos na expectativa, chamamos de obsessão. A verdade é que a vida humana é mais da metade crença e confiança. No mundo da política não é diferente. Líderes políticos são veículos de significado e sentido, são figuras que moldam e enquadram a realidade, esculpindo as crenças que irão influenciar aqueles que neles acreditam. Ora, sabemos que o futuro não nos pertence, de que há miséria e coisas que ultrapassam nossos limites, não nos resta muito além de confiar.
Hoje há uma linha entre a obsessão e a confiança que divide a frente dos quartéis e a rampa que subirá o novo presidente. De um lado, alguns continuam aguardando intervenção militar, obcecados pela ideia de salvação. Insuflados por crenças de influenciadores e um líder em depressão. Eles esperam a neve cair, mesmo o termômetro marcando 30 graus. Do outro, há uma população que apostou na democracia e confia desconfiando no que está por vir. Afinal, o líder eleito influenciou decisões com uma frente ampla e a promessa de um governo arejado e moderado, sinalizações que lhe devolveram capital político.
O que é o capital político? É um recurso acumulado de confiança e reputação que o líder pode apenas gastar. Os eleitores emprestam esse “valor” para ser consumido na realização de uma boa liderança. Capital político é sempre incerto e contingente, jamais imutável. Lideranças são boas ou ruins a partir do que fazem com o valor que lhes foi entregue: confiança. Uma das formas de torrar o capital político é traição de expectativa. Um bom líder democrático deve manter em mente esta contingência, caso contrário corta o próprio galho em que está sentado. Ao ignorar a tensão entre e a confiança dada e a prática, ele pode perder toda credibilidade. Afinal, ninguém gosta de ser pego de surpresa por um temporal; sair de casa sem sombrinha porque lhe prometeram um dia de sol.
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