Editorial

CPMI da lacração

Já tem algum tempo que a preocupação maior de grande parte dos parlamentares brasileiros deixou de ser a atuação como legisladores, fiscais atentos das ações do Poder Executivo, debatedores bem embasados sobre as questões nacionais mais relevantes. Como é notável, a cada nova composição do Congresso Nacional amplia-se o espaço ocupado por deputados e senadores de perfil histriônico. Personagens cuja relevância prática e objetiva no desenvolvimento das atividades do Legislativo é praticamente nula, mas com grande reverberação em bolhas de usuários de redes sociais.

 
A recente discussão sobre a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília, é também o resultado dessa transformação. Afinal de contas, por mais que alguns dos personagens tentem disfarçar ao usar discurso de que o colegiado precisa investigar a fundo o que ocorreu no 8 de janeiro, o claro objetivo é outro: gerar conteúdo para as redes, distribuir trechos de intervenções impactantes atacando adversários políticos e desenvolvendo teses sobre ocorrências e personagens – envolvidos ou não – com aquele dia. Tudo para gerar engajamento, projeção (pessoal ou da tese) e ampliar ainda mais o cenário já belicoso do debate público. Em resumo, o que deputados e senadores buscam é “lacrar”, esse termo que ganhou popularidade há alguns anos e que, resumidamente, significa acabar com um debate, esgotando ou desqualificando o argumento contrário. Quase sempre buscando causar impacto e ganhar seguidores e repercussão.

 
CPIs e CPMIs, em tese, são espaços fundamentais, democráticos e um direito das minorias nos parlamentos como forma de assegurar que mesmo os governos mais amplos e dominantes possam ser alvo de apuração e amplo questionamento. Se assim realmente fosse, não haveria motivo para tanta polêmica sobre a comissão dos atos golpistas de 8 de janeiro. Contudo, exceto a Polícia Federal e o Judiciário – que nada têm a ver com o instrumento legislativo que é uma CPMI –, ninguém parece verdadeiramente interessado em um real inquérito do Parlamento. À oposição, agrada disseminar teses de que o governo alvo dos ataques antidemocráticos seria um dos articuladores da barbárie. Ao governo, que antes buscava obstruir a comissão, agora interessa devido ao constrangimento a que foi submetido com a presença de integrantes golpistas do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) em meio aos baderneiros. Todos, governistas e oposicionistas, no entanto, tratam de escalar para isso não seus mais qualificados parlamentares, e sim aqueles mais radicais e com poder de influência nas redes sociais.

 
Ou seja: ninguém quer inquérito, o desejo é pela esdrúxula batalha de versões. Uma CPMI da lacração.

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