Maria Alice Estrella

Do que falta

Por Maria Alice Estrella

A gente sente falta de algumas coisas do cotidiano, que deixam de acontecer por força de circunstâncias, muitas vezes, alheias a nossa vontade. E vai se levando do jeito que se consegue. Até nos acostumamos a ausências de hábitos que nos faziam bem e preenchiam momentos, porque a vida está em constante movimento de mutação e, queiramos ou não, somos adaptáveis. Uns mais do que outros, com certeza.

 
Agora, sentada em frente ao computador estou acompanhada pelo gorjeio de um sabiá, que deve viver aqui perto e me presenteia com a beleza do seu murmúrio de fim de tarde. Ele consegue me distrair e me faz sorrir. Mas o teclado me chama também e “mãos à obra”. Sigamos, pois.

 
Nesta semana, fazendo minha caminhada diurna, pensei no que mais me provoca saudade, o que mais falta me faz.

 
E simples como um canto de pássaro, veio aos meus ouvidos a palavra: abraço. E a seguir, lembrei de um trecho de autoria do Vinicius de Moraes numa canção que preconizava os tempos de pandemia: “Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê, que nem se sorri, se beija e se abraça...”

 
É de abraços que sinto carência. O gesto de envolvimento corporal onde as palavras silenciam e se fala de coração para coração. O toque de aninhar as almas e aconchegar afetos. O abraço que ficou preso e estagnado nesses últimos anos por receio de contágios, por prevenção de moléstias, em nome da preservação da sobrevivência.

 
A escassez de abraços afetou muito a qualidade de vida de quem vive longe de familiares, de filhos, de netos. E falo por mim com suficiente propriedade sobre esse aspecto. Difícil demais enfrentar o sumiço do abraço.

 
E demorei a perceber a falta que eu sentia e não sabia bem do que sentia tanto a privação. Era a supressão do abraço. Daquele algo mais que nos entrelaça e nos completa como pessoas. Do abraço que acomoda sentimentos, sereniza emoções, estreita distâncias, burila sensibilidades. O abraço que resgata a intimidade do carinho e alimenta o afeto. O abraço que aquece, que consola, que energiza e desperta o que em nós adormece.

 
“Somos todos anjos com uma só asa; para podemos voar precisamos nos abraçar.” (Luciano de Crescenzo)

 
Quanta verdade nessa frase poética e oportuna.

 
E a oportunidade de abraçar se faz prioridade para tantos quanto disso necessitam no desenrolar dos dias.

 
Que as chances de abraçar não se percam como pacotes extraviados na posta restante da vida. O abraço é gênero indispensável de primeira necessidade porque alimenta tanto a alma quanto o corpo.

 
E nós, mortais efêmeros, limitados e desmedidos, necessitamos uns dos outros para criar o vínculo que o abraço contém ao nos envolver na gratuidade de estreitar laços e desfazer nós.​

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