Celina Brod

É imoral rir da desgraça alheia?

Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Um submarino, com cinco pessoas em direção aos restos do Titanic, havia sumido. O acontecimento virou notícia mundial, gerando curiosidade, julgamentos e reações. Mas não foi apenas isso que a tragédia provocou, ela também provocou risada. Em menos de um dia após o desfecho da história, havia comediante de stand up com piada pronta, vídeos cômicos ao som de Celine Dion e memes sobre a tecnologia usada pela tripulação. No meu celular, recebi a imagem do submarino afundando ao lado do "padre dos balões", comecei a rir imediatamente. Ao mesmo tempo que o riso incontrolável subia e explodia na garganta, chacoalhando todo o meu corpo, com a mão eu calava minha própria boca e dizia: ai, que horror!

Dessa dialética, entre o meu riso involuntário e a autocensura envergonhada, nasceu a seguinte pergunta: é imoral rir da desgraça alheia? Então, comecei a pensar e analisar aquele ato prazeroso e involuntário, tão trivial quanto instigante. O que é risível? E por que, afinal, rimos? Por que gostamos de rir? Se rir é uma resposta involuntária, ela pode ser censurável? Ora, a raiva e o mal humor também o são, não escolhemos senti-los, mas ninguém deixa de reprovar a brutalidade alheia. Por que, então, a risada estaria imune de reprovação moral?

Obviamente, não sou o primeiro ser humano a perguntar o que é isso que nos acontece quando rimos. Comecei o processo sozinha, depois pedi ajuda aos outros filósofos, afinal, filosofia é dialogar com quem chegou antes e se aventurou nas mesmas aporias. O que eu consegui sozinha foi perceber que o riso é multifacetado: rimos de nós mesmos, rimos dos outros, rimos com os outros, rimos de uma piada, de uma careta, do ridículo, de comportamentos, erros e histórias atrapalhadas. E, claro, como eu havia constatado, também rimos da desgraça alheia. Então, lembrei do filósofo francês Henri Bergson, que escreveu um ensaio de três capítulos sobre o riso.

Bergson afirma que o risível é fundamentalmente algo humano. Se rimos de um animal ou de um chapéu é apenas porque detectamos neles alguma expressão ou expectativa humana. Além disso, a risada entra quando a emoção sai, ou seja, o risível acontece quando nos desengajamos emocionalmente do mundo. "Para produzir todo o seu efeito, o cômico exige algo como uma anestesia momentânea do coração. Seu apelo é à inteligência, pura e simples", escreve Bergson. Rir, nesse sentido, é desligar-se dos sentimentos. Talvez seja por isso que, quando dividimos uma tristeza pessoal com alguém, não queremos que a pessoa faça graça, pelo menos não naquele momento, pois buscamos sua emoção, um coração presente, não inteligente.

O riso também acontece quando há uma quebra de expectativa, apreciamos sentir padrões mentais serem violados pelo absurdo e o inesperado. Por vezes, a risada serve como corretivo social, rimos de alguém intransigível que não se deixa mudar pela elasticidade da vida. Neste caso, o deboche é uma risada punitiva. Rir dos outros é uma manifestação de superioridade, enquanto rir com os outros traz alívio para o peso da seriedade. Rir é relaxar. Talvez a risada, como qualquer outra coisa humana, deva ter hora e lugar. Eu não conseguirei esgotar a questão aqui, por enquanto, vou finalizar com uma intuição minha. Creio que a comédia seja, como pensavam os gregos, o refúgio da tragédia. A risada, me arrisco a dizer, é uma fuga que nos sustenta, pois sabemos que a vida é trágica, breve e incompreensível, uma biografia que está sempre por um triz.

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