Editorial

Escutar, não exterminar


"O processo anterior fracassou porque não soubemos escutar aqueles que pensam diferente." Esta frase é do presidente do Chile, Gabriel Boric, ao comentar o cenário atual no país, onde mais uma vez haverá a tentativa de construir e aprovar nova Constituição que substitua a atual, uma herança dos tempos em que o ditador Augusto Pinochet dava as cartas. O atual mandatário, um jovem político de esquerda que, como tantos outros, formou-se a partir de movimento estudantil que liderou, usou o diagnóstico do começo deste parágrafo para se referir aos erros cometidos por sua coalizão de esquerda.

Em setembro do ano passado, após articular desde o começo de sua gestão a formação de uma Assembleia Constituinte, Boric viu o texto da nova Carta sofrer acachapante derrota em plebiscito: 61,87% dos chilenos votantes foram contra o texto, ante 38,13% favoráveis. Constrangido, o presidente viu-se obrigado a declarar que a democracia do país saía "mais robusta" dessa consulta popular. O que se viu, no entanto, foi ainda mais turbulência política. E um dos principais fatores causadores da derrota - apontados por analistas políticos e pelo próprio Boric, a julgar pela sua frase - e que culminou com o cenário de momento, em que nova Constituinte foi formada, agora dominada pela extrema-direita, é justamente a falta de diálogo, de ouvir e falar com quem pensa diferente.

Construída majoritariamente por uma visão única de mundo, de pouco espaço a outros olhares e pensamentos distintos da esquerda e capazes de contribuir com os debates e consensos mínimos, a Carta proposta pela Constituinte de 2022 provou reação contrária de quem não se viu representado. E, a partir daí, a retaliação óbvia da direita resulta nesta nova Assembleia com poderes para alijar a construção da nova Lei Orgânica do Chile com movimentos de centro e esquerda. Se assim agir, sem usar o aprendizado do erro anterior, os redatores da proposta constitucional podem enfrentar movimento de oposição semelhante, apenas com sinais trocados.

A situação chilena é só mais um exemplo dos prejuízos às sociedades quando seus representantes políticos demonstram inabilidade, incapacidade de diálogo. Não há avanços significativos. Consensos e entendimentos civilizatórios básicos desaparecem e, com eles, poucas são as soluções encontradas para temas fundamentais à população. O Brasil sabe muito bem o que é isso. Governos que se dedicaram a criar inimigos e atacá-los foram frustrados. Nesta batalha interminável pelo extermínio do pensamento democrático distinto - e não se fala aqui sobre ideias criminosas e segregadoras, estas sim abomináveis -, todos são engolidos. Escutar, pensar e compor, aprendeu e agora alerta Boric, é essencial.

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