Editorial

Futebol e política

Dizer que futebol nada tem a ver com política em geral costuma soar como ingenuidade ou hipocrisia de quem defende que personalidades do mundo esportivo não exerçam influência ao se manifestarem sobre questões da sociedade. Incluindo preferências políticas. No entanto, é inegável que o esporte é uma vitrine política relevante, cujos impactos do papel de atletas ou clubes vencedores na construção de narrativas é ponto de atenção de diferentes governos, em variadas épocas. A história não deixa mentir. A influência de governos militares em seleções e torneios como nas Copas do Mundo de 1970, com a seleção brasileira, e de 1978, no título da Argentina, são alguns exemplos.

Nos dias atuais, um dos debates que mais repercute mundialmente é o posicionamento da Fifa durante a Copa do Catar ao impedir manifestações de jogadores e federações em favor de pautas fundamentais. Temas ligados a direitos humanos como a igualdade entre gêneros ou, principalmente, o respeito à orientação sexual de cada indivíduo estão sendo simplesmente proibidos pela entidade máxima do futebol. A ponto de vetar braçadeiras com as cores do arco-íris ou ameaçar com punição equipes ou jogadores que entrarem em campo com a palavra "love" no uniforme. Tudo para não desagradar o governo do país sede, que injetou alguns bilhões na entidade para ter o direito de sediar o torneio.

Aqui no quintal verde e amarelo, onde a discussão política rasa virou rotina, não faltariam questões políticas envolvendo a Seleção. Principal craque do time, Neymar declarou-se apoiador do atual presidente, Jair Bolsonaro (PL). Motivo suficiente para cair ainda mais nas graças de parte da torcida _ e do governo, que usa do prestígio do camisa 10 desde o período pré-eleitoral. Por outro lado, o jogador obteve a antipatia de quem repudia o bolsonarismo. No sentido contrário, o atacante Richarlison, com suas manifestações em favor das vacinas, dos direitos humanos e de justiça social, cativou petistas (ainda que não tenha aberto apoio a Lula) e deixou o lado oposto do espectro político de nariz torcido. "Polarização" que nem mesmo o começo da Copa está conseguindo arrefecer. Tanto que integrantes da equipe de transição de governo comemoraram que o herói da primeira vitória brasileira no Catar, contra a Sérvia, foi o centroavante, exaltando sua visão política. Ao mesmo tempo em que deixaram escapar a satisfação com a saída de Neymar de campo, lesionado. Um erro mesquinho, sobretudo ao partir de agentes públicos que representam toda a população brasileira, tenha ela qualquer preferência política.

Política e futebol têm tudo a ver. Mas é preciso saber onde essa relação faz sentido e onde se torna medíocre e infeliz. Sem isso, a influência é burra e em nada contribui para um diálogo que renda bons frutos.​

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