Sergio Cruz Lima
Um ministro de joelhos
Por Sergio Cruz Lima
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Na semana que passou, relendo Baú velho, curioso livro de Viriato Correia, reencontrei uma história espirituosa, que corro a transcrevê-la ao caro leitor.
O marquês de Itamaracá, doutor Antônio Peregrino Maciel Monteiro, foi médico, poeta, notável orador e parlamentar. Completou os primeiros estudos em Olinda, porém foi em Paris, em 1826, que obteve os diplomas de bacharel em Medicina, Ciências e Letras. De retorno ao Brasil, exerceu a medicina, mas logo ingressou na política e ocupou vários cargos públicos. Em 1837, ocupou o Ministério dos Estrangeiros. Elegante, vaidoso, perfeito galanteador, talento poético, conquistador de mulheres, era conhecido como um grande Don Juan. Uma vez em Lisboa, quando era Ministro Plenipotenciário do Brasil, ocorreu um fato pitoresco, que não lhe desmerece a fama, e que aconteceu no Teatro São Carlos, na capital lisboeta.
Era noite de espetáculo: ópera. A casa estava repleta da mais fina sociedade lisboeta. O galante marquês, medalhas ao peito, estava apaixonado pela bela soprano. No fim do primeiro ato, foi o galã ao camarim da atriz. Ali o poeta e ministro fez as mais belas declarações de amor à sua diva. Mas a campainha soou. A cantante era requisitada para o início do segundo ato. Erguendo-se da poltrona onde se sentara, para lá ela se dirigiu. O Don Juan perseguiu-a. Ela foi para o palco. Ele, também. Insistemente prosseguia no seu repertório amoroso. Ela afastava-o. Ele insistia. Ei-los, então, em meio da cena, em pleno palco.
Nervoso, o contrarregra batia com os pés avisando que o pano ia subir. Mas o Don Juan não se importava. E continuava a sua arenga amorosa. Enfim, já não podendo mais esperar, o contrarregra deu o sinal definitivo. A orquestra chegou no ponto em que não mais podia remediar. Subiu o pano! Qual não foi o espanto do seleto público que lá estava, em traje de gala, ao presenciar uma cena diferente da que deveria assistir no desenrolar da ópera "Madame Butterfly", em apresentação naquela noite. Genuflexo aos pés da bela soprano, em desespero incontido, lágrimas nos olhos, apaixonado pela "prima donna" estava o senhor Ministro Plenipotenciário do Brasil em Portugal, Antônio Peregrino Maciel Monteiro, marquês de Itamaracá, médico, poeta, parlamentar e notável orador, bacharel em Medicina, Ciências e Letras, membro do Conselho de Sua Majestade, o Imperador, grande dignitário da Ordem da Rosa, grande oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul, membro da Arcádia de Roma e de outras entidades literárias nacionais e estrangeiras.
Imaginem o escândalo! Ali na plateia estava presente a mais fina flor da sociedade lusitana. Foi assunto por muito tempo, gerador de muitas fofocas. Caramba! Adoraria estar presente na plateia só para ver a cara de sua excelência, o senhor Ministro Plenipotenciário do Brasil em Portugal, sobre o qual escreve a pena do poeta Joaquim Manuel de Macedo: "Itamaracá era apaixonado por teatro, bailes e pelas sociedades dos círculos mais elegantes. Ele próprio era o tipo da mais exigente e caprichosa elegância no trajar, sempre à moda, e no falar sempre em mimos de delicadeza e refinada cortesia". Silvio Romero aponta-o como um "predecessor do lirismo hugoano"; José Veríssimo julga-o uma "simples lenda".
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