Sergio Cruz Lima

Glutonaria e ebriez no trono inglês

Sergio Cruz Lima
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Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense

Sucessor de Jorge III, o rei inglês vitimado pela porfiria, uma doença genética, Jorge IV era um homem inteligente, perspicaz e de gosto apurado. Diversamente do pai, foi um conhecido bon vivant por seu estilo elegante, pelo olhar aguçado para as artes e por sua inclinação para a generosidade magnificente e vivaz afabilidade. A despeito das qualidades apontadas, o rei era sistematicamente objeto de epigramas cruéis e do escárnio público. Mesmo em carruagem, ao deixar o palácio real era trivialmente alvo de vaias e galhofas pelas ruas da capital londrina. Algumas das diatribes tinham a ver com seu despudorado esbanjamento e débitos impagáveis, sua desabrida cobiça pelo trono do pai ensandecido, o crédito imerecido que reclamava pela vitória sobre Napoleão, seus numerosos cas d´amour e o casamento espetacularmente funesto com Carolina de Brunswick. Todavia, era o renome de Jorge IV como um molenga obeso que bebia em demasia, inclusive láudano, que alimentava as piores chacotas. Embora não tenha sido o mais gordo monarca a usar a coroa inglesa foi, decerto, o mais amigo do copo. O que tinha de digno e amável quando sóbrio, tinha de tosco e torpe quando se embriagava. Desde jovem, os efeitos da bebida haviam começado a se manifestar em sua aparência física, conferindo-lhe um ar prematuro de dissipação e provocando risadinhas entre os súditos.

Impopular, Jorge IV gozava da malquerença geral. E seus censores deleitavam-se com apetência sobre cada um de seus pontos fracos. O "Times" estigmatizava-o por ser um homem que bebia em demasia, praguejava, frequentava lupanares, dava preferência a garotas e garrafas à política e cujos únicos estados de felicidade eram a glutonaria, a ebriedade e a jogatina. Uma caricatura de Jaime Gillray mostra o rei palitando os dentes com um garfo enquanto se recupera de um pantagruélico repasto com a imensa pança emergindo da calça. Sob suas coxas roliças dormem garrafas de vinho vazias e, atrás de sua majestade, mezinhas para halitose, hemorróidas e doenças sexualmente transmissíveis. Como se não bastasse o caricato debuxo, desafetos reais também colaboraram com seus próprios dichotes. A frágil amizade do rei com Beau Brummell, o Belo Brummell, célebre dândi da época, findou de modo vexatório em um baile oferecido por lady Hopetoun. Ignorando Brummell, o rei conversava com um amigo em comum, lorde Alvanely, quando o "Belo Brummell", ferinamente invejoso, explodiu: "Alvaney", gritou ele do outro lado do salão, "quem é esse teu amigo gordo?". Supremo insulto!

Idoso, a vida de excessos começou a devastar o corpo e a mente real. Jorge IV isolou-se no Castelo de Windsor. Seu apetite, porém, permaneceu intocável. O duque de Wellington anotou o cardápio do desjejum real: "Pombo e torta de carne, dos quais o rei comeu dois pombos e três porções de carne, meia garrafa de Mozzelle, uma taça de champagne seco, duas taças de vinho do porto e um copo de brandy". Quando da sua morte, em 1830, o "Times" escreveu: "Nunca houve uma morte menos pranteada pelos ingleses que a desse falecido rei".

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