Opinião
Humpft! No meu tempo era bem melhor...
Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Um dos maiores prazeres de se ler romances escritos em outras épocas é que, além de você aprender mais sobre história, você consegue identificar alguns "cacoetes" da humanidade. São atitudes e comportamentos que se repetem há milênios, geração após geração. Pegando autores de diferentes épocas e nacionalidades você percebe que o ser humano é, antes de tudo, uma espécie animal com tendências comportamentais. Você pode pegar os livros do russo Tolstói da virada do século 19 para o 20; pode pegar romances do brasileiro Erico Verissimo da metade do século 20 ou do colombiano Gabriel García Márquez, da virada do século 20 para o 21, ou ainda narrativas de escritores orientais, como do libanês Khalil Gibran (1883-1931), ou da paquistanesa contemporânea Malala, que lá vai estar presente em algum momento: as velhas gerações sempre falando mal e não acreditando muito nas que estão chegando. E eu, como ser humano, às vezes também caio nessa tentação.
Trabalhando como professor, a cada ano aumenta a diferença entre a minha idade e a dos alunos que estão ingressando. Quem entra na universidade sempre chega com seus 17, 18, 19 anos... E eu, como meus colegas, sigo gradativamente envelhecendo: a primeira vez que dei aula tinha 29, hoje estou com 42. Assim, os conflitos geracionais se tornam mais gritantes e as estratégias pedagógicas se tornam cada vez mais importantes. Mas, apesar da tentativa incansável de sempre compreender o outro, há inquietações que sempre surgem quando me deparo com certos trabalhos entregues ou apresentações de seminários: por que alguns alunos ainda preferem, ao invés de ler os textos e fazer a atividade conforme proposta, buscar um monte de resumos superficiais na internet? E mais: será que eles acham que eu sou uma completa besta que não vou perceber?
Primeiro, pensava que era preguiça. Mas, vendo alguns trabalhos, concluí que o sujeito teria menos trabalho em ler o texto e fazer tudo certinho do que em catar mil links com péssimos textos e resumos. Depois, considerava o mau-caratismo. Ou seja, trata-se de um sujeito que estará sempre pronto para trapacear para obter vantagens. Mas a cola é algo milenar e grandes mentes já colaram (eu, que não sou grande mente, inclusive). E no meio disso tudo, chega o ChatGpt, para tornar tudo ainda mais confuso e complicado. Assim, rapidinho, mesmo sem perceber, volta e meia estou agindo como os velhos personagens de O tempo e o vento, Guerra e paz e Cem anos de solidão: ah, no meu tempo não era assim! Com essas gerações que estão chegando, o mundo está perdido! Ah, que saudades de antigamente!
Só que não. Esse conflito de gerações ocorre com ou sem tecnologias porque a psicologia e personalidade do ser humano em cada faixa etária muda, mas não tanto no que se refere à sua essência. E por isso que eu tenho que acreditar nas gerações que estão chegando e que vão seguir surpreendendo os mais velhos, tanto pela sua preguiça e ousadia (que sempre existiram), quanto pela sua criatividade e capacidade de reinventar o mundo. Exatamente como vem sendo feito pela espécie humana há tantos milênios. Até porque, se não acreditasse nisso, não valeria a pena dar aulas. Assim como, sigo insistindo, quem sempre opta pelo mais fácil não vai muito longe.
Um bom final de semana a todas e todos.
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