Eduardo Ritter
Miscelânea literária
Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Certa noite, muitos anos atrás, entre uma cerveja e outra, um amigo sugeriu, enigmático: "Cara, você tem que ler dois livros ao mesmo tempo. É a maior viagem. Principalmente se um não tiver nada a ver com o outro". Na época eu estava na universidade e dava meus primeiros passos no universo de viciados em literatura. Sim, no meu caso considero a literatura um vício, pois quando fico o mínimo tempo sem ler começo a me sentir ansioso, angustiado, deprimido, sem saber o que quero da vida, numa típica crise de abstinência - mentalmente e fisicamente falando. Desde aquela conversa, lá pelo início dos anos 2000, vez ou outra misturei leituras de livros, especialmente quando estava cursando mestrado e doutorado. Em parte, por obrigação acadêmica, acabava lendo diversos livros ao mesmo tempo - e sempre dava um jeito de meter uma boa e velha ficção no meio da história. O auge acredito que tenha sido durante o estágio doutoral que fiz nos Estados Unidos quando, além de misturar obras, havia a diversificação de línguas, com textos em inglês, português e, de vez em quando, espanhol.
Lembrei dessa conversa nesta semana quando já estava lendo três livros e, outra vez, não resisti à velha e boa ficção. Diante de uma obra que promete uma boa história, sou como o jovem apaixonado que está disposto a tudo pela beldade que faz o seu coração bater mais forte. Assim, além de dois livros acadêmicos e um de poesia, comecei a leitura de A décima segunda noite, do Luís Fernando Verissimo. Trata-se de uma paródia de Noite de Reis, de Shakespeare. Como sou fã de Shakespeare e dos Verissimo (pai e filho), após terminar um capítulo pesado de teoria do antropólogo francês Gilbert Durand, fiz um fogo na lareira, coloquei minhas pantufas do Grêmio e comecei a ler a comédia narrada por um papagaio descendente de brasileiros e que vive em Paris. Só faltou o vinho, mas como estou acometido de uma forte gripe, vai ficar para a próxima.
Já li metade da narrativa que tem apenas 140 páginas e é como se as palavras da ficção fossem entrando pelos olhos, indo até o cérebro e partindo pela corrente sanguínea de todo o meu corpo até parar no meu instável coração. Cada vez que eu fecho um livro para absorver as suas palavras, ideias, amores, choros e risadas é como se eu tomasse uma dose de alguma droga forte direto na veia. Sinto-me mais calmo, mais leve, mais inspirado e, por alguns instantes, tudo parece fazer sentido. Para o leitor entender melhor, basta fazer a seguinte comparação: é mais ou menos como estar apaixonado. Acontece que faz tanto tempo que não me sinto assim por outra pessoa, que a literatura e, especialmente, a miscelânea literária, tem sido a única fonte para me fazer sentir nas nuvens. Confesso que sinto falta da ingenuidade e da falta de razão e lógica de estar apaixonado, mas para isso não é possível escolher o momento em que vai acontecer, como no caso da leitura de um livro, em que você decide: bom, vou começar esse livro. Não, você não consegue dizer: bom, amanhã vou me apaixonar, custe o que custar. Talvez por isso a paixão seja, inclusive, um dos principais temas da literatura, seja no romance de Verissimo, no texto acadêmico de Durand, na poesia de Vinícius de Moraes ou na crônica de Juremir Machado da Silva - os quatro autores que estou lendo ao mesmo tempo nesse momento.
Enfim, está apagando o fogo da lareira e, já que não posso ascender o fogo da paixão, vou ali colocar mais uma lenha para continuar injetando dopamina e outros hormônios inspiradores e confusos que saem das páginas dos livros direto para a minha alma e para o meu espírito.
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