Rubens Amador

Agenda

Rubens Amador
Jornalista

Com a presunção de encontrar, a posteriori, alguma data, o registro de algum acontecimento, um endereço, costumo guardar as minhas agendas vencidas. Pois um dia destes me dei conta que já passara uma dezena de anos, pois estou com dez agendas vencidas na estante. Resolvi abri-las, o que poucas vezes foi preciso fazer. Ali estavam vários registros, tal como se fosse um cartório particular e sentimental. A primeira constatação foi que, apesar daqueles dados todos ali registrados, a vida continuou e, como se tratasse de meu inconsciente, bastava abrir qualquer um daqueles livros para trazer à consciência fatos, pessoas e recordações. Algumas boas, como por exemplo a que achei na agenda de 2003, dia 20 de maio: "A advogada telefonou dizendo-me que deveria comparecer ao seu escritório para receber determinada importância que o INSS havia devolvido". Um precatório que demorou seis longos anos! Eu nem me lembrava mais! Mas era bom. Se o INSS foi obrigado a devolver, já viu... Resolvemos gastar em viagens e fomos a Brasília rever filho, neto e nora. Há outro registro sentimental: "Voltamos. Foi ótimo. Já estamos com saudade do neto e da turma". Outro registro: "A seguir, fomos a Natal, Rio Grande do Norte, visitar Edith e Nazareno. Irmã e cunhado". (Hoje ambos mortos!) "É uma cidade de avenidas amplas. Gostamos."

Em setembro 2003, ainda: "Quarta-feira, médico oculista. Pedir exame de fundo de olhos, papai era diabético". Deu 20, normal. "Em 26 de janeiro, Matheus (um neto), faz anos. Ele quer Pokemons e já avisou que de camelô, não." No dia 5 de março, "encontrei o Juca na rua. Fez que não me viu. Afinal, faz quase um ano que não me devolve os 500 que lhe emprestei para uma série de exames de saúde". Em 23 de maio, faleceu Antônio. "Foi um grande amigo e contador de anedotas. É desta parte que irei lembrá-lo." (A partir daqui, ver as demais agendas, mesmo!)

Na última, referir-me à "última página", e escrever algo sobre o ano que se extingue, falando nas perspectivas ansiadas para o próximo... Mas concluí, com certa nostalgia, que essas agendas só servem para mostrar a velocidade que a nossa vida passa. E, de agora em diante, assumi uma nova disposição: de jamais reabrir agendas de anos passados. Convenci-me do velho aforismo: "o que passou, passou". Para mim, pelo menos, as boas lembranças de episódios já vividos de nada adiantam. Não passam de meras lembranças. No espírito dos outros, eles nada acrescentam e de nada valem! Geralmente só ficam as coisas ruins, como uma chama inextinguível. Para as pessoas, é mesmo assim: o que passou, passou. Tal como fez o Juca, do dia 5 de março do ano 1999. Registro na agenda deste ano, e neste dia, como mera anotação só para encher a página, pois não há nada merecedor de um registro que valha a pena.

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