Sergio Cruz Lima

Nasce a primeira grande avenida brasileira

Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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No alvorecer do século 20, o Rio de Janeiro continuava uma cidade de ruas sujas e estreitas, vielas tortuosas e epidemias mortíferas. Conservava o "cunho desolador dos velhos tempos do rei e dos vice-reis". Na intenção de receber mais imigrantes - braços para a produção do café! -, o cafeicultor e candidato à chefia da Nação, Rodrigues Alves, quer remodelar a cidade. Eleito, parte da teoria para a prática.

E, para milhões de brasileiros, o sinal mais evidente de que o Brasil estava ingressando no século 20 foi a construção, na então capital da República, da esplêndida avenida Central, depois rebatizada: Rio Branco. Com um empréstimo de oito milhões de libras tomado na Inglaterra, um amplo bulevar de dois quilômetros de extensão e 33 metros de largura, com calçadas de sete metros ladeadas por prédios suntuosos, rasgou o coração da capital, marcando sua transformação de cidade malsã em cidade maravilhosa. As obras começaram em fevereiro de 1904. Em nove meses, a equipe contratada derrubou 614 imóveis. E a obra foi concluída em tempo recorde: 18 meses.

Mas como as demais ações saneadoras e urbanizadoras do governo Rodrigues Alves - entre elas a remodelação do porto, a construção da avenida Beira-Mar e o combate à febre amarela, à varíola e à peste bubônica -, a empreitada foi altamente polêmica e gerou protestos. Todavia, quando a obra foi inaugurada, em 15 de novembro de 1905, o povo carioca e, por extensão, o resto do Brasil, percebeu que uma nova era se iniciava. O bulevar tinha imenso significado metafórico: era uma vitrine da civilização. Era o símbolo quase miraculoso da eficiência, saúde e beleza do País; a materialização da pujança trazida pelo café; o fim da letargia tropical. Mais do que uma avenida, era uma proclamação.

O projeto era de tal forma exclusivista que, para instalar-se na nova avenida, os prédios precisavam ter as fachadas e os projetos aprovados por uma comissão especial composta por "dez notáveis", entre eles Lauro Muller, Paulo de Frontin e Pereira Passos. A nova avenida recendia à nostalgia parisiense. Em suas fachadas típicas do estilo batizado de "ecletismo francês", em sua volúpia de vidro e ferro fundido, mais lembrava a via principal de uma metrópole europeia deslocada na dimensão espaço-temporal. Mas seus cafés e lojas finas, os almofadinhas que flanavam por suas calçadas e os automóveis que começariam a circular por seu leito concederam ao País uma ilusão de progresso, riqueza e modernidade. Ao caos urbano, seguiu-se o fausto burguês e o fetichismo consumista. E Francisco de Paula Rodrigues Alves - abolicionista convicto, deputado constituinte, rico cafeicultor, liberal na economia e conservador na política, ex-monarquista e republicano de última hora -, passaria à história como o mais eficiente presidente da República Velha. O homem que "civilizara" o Brasil. Mas nem tudo eram elogios. Enquanto as classes altas bebericavam café em mesinhas nas calçadas da nova avenida, a insatisfação corroía as classes baixas. A avenida custara mais de quarenta mil contos de réis _ e os trabalhadores, como sempre, pagaram a conta.

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