Opinião

Navegando em águas atlânticas

Por Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Na trágica travessia do Atlântico, jamais se ouviram dos lábios do imperador defenestrado uma frase ou censura mais agressiva contra os militares e os fatos relacionados com a sua deposição. Certa feita, disseram-lhe que se ele tivesse querido resistir ao coup d´État, talvez alcançasse a vitória. Prontamente, respondeu dom Pedro: "Resistir para quê? O Brasil há de saber governar-se; não precisa de tutor. Olhe! A minha preocupação é ser sempre coerente".

Após 14 dias de mar, o navio lança âncora em São Vicente. Ouve-se missa e faz-se uma tournée pela cidade: Câmara Municipal, Biblioteca, Alfândega, Mercado, Palácio do Governo. Dom Pedro deixa ali, para os pobres do lugar, $ 160.000. Não é muito. Mas é quantia enorme, considerando-se o estado crítico das finanças da família imperial. A seu procurador no Brasil, recusando a generosidade do Governo Provisório, expede a seguinte mensagem: "Tendo tido conhecimento, no momento de minha partida para a Europa, do decreto pelo qual é concedido à família imperial, de uma só vez. A quantia de cinco mil contos, mando que declare que não receberei, bem como minha família, senão as dotações e vantagens a que tenho direito pelas leis, tratados e compromissos existentes e, portanto, se tiver recebido aquela quantia, deverá restituí-la sem perda de tempo. Recomendo outrossim que, cingindo-se aos termos desta comunicação, dirija ofício que fará imediatamente publicar, e do qual me remeta cópia". Dom Pedro de Alcântara. Bordo do "Alagoas" ao ancorar em São Vicente, em Cabo Verde, novembro de 1889.

Ainda em São Vicente, recebe dom Pedro um telegrama do sobrinho, o rei dom Carlos de Portugal, filho da finada rainha dona Maria II, irmã do imperador do Brasil, que lhe coloca à sua disposição para futura residência da família imperial, um dos palácios reais de Lisboa. A oferta é recusada. E quando a princesa Isabel apela para que papai reconsidere a decisão, dom Pedro responde-lhe, de modo definitivo: "Não há papai, nem meio papai, não aceito e não vou".

Mais alguns dias de mar e o Alagoas alcança Lisboa. Durante o trajeto São Vicente-Lisboa, comemora-se, em 2 de dezembro, o aniversário do imperador: 64 anos. No jantar, dom Pedro bebe "Pela prosperidade do Brasil". Do seu lugar, dona Isabel ergue a taça e brinda o pai. Ele responde: "Menina! Ouça o meu brinde à prosperidade do Brasil". Em Lisboa, dom Pedro será recebido com honras de chefe de Estado. O rei virá buscá-lo a bordo do Alagoas. Antes de deixar o navio, o imperador não abre mão de despedir-se da oficialidade. À tripulação deixa uma certa quantia e requer um rol com o nome dos marinheiros e empregados de bordo. Começa aí o exílio.


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