Luciano Luz de Lima

Nós, os 99%

Resposta a Fetter Júnior.

Em artigo publicado no Diário Popular em 29 de agosto, o ex-prefeito de Pelotas, Adolfo Fetter Júnior, expressou sua opinião sobre o que chamou de volta do "nós contra eles", fazendo referência ao um artigo meu, também publicado no jornal, em que teci críticas severas ao processo de privatizações no Brasil, o que me provoca a publicar essa resposta de caráter político, e não pessoal, como reconheço foi também o conteúdo da publicação do ex-prefeito.

O ex-prefeito questiona uma contradição entre o que seria o discurso do "nós contra eles" e as alianças feitas pelo governo liderado por Lula para conseguir governabilidade. No entanto, o sistema político brasileiro não é uma criação do PT ou de Lula, e as tentativas de reforma política que poderiam qualificar esse sistema, abolindo, por exemplo, o voto nominal para o parlamento e instituindo o voto em lista, não se viabilizam frente a maioria fisiológica do Congresso, da qual o partido do ex-prefeito é parte integrante. Alias, deveria ele refletir sobre seu partido, o PP, que compôs todos os governos desde a redemocratização.

Já no que tange ao "nós contra eles", ou a tão falada "polarização", cabe dizer, que toda sociedade é sempre polarizada. Os interesses das diferentes classes sociais são cada vez mais antagônicos conforme se desenvolve o modo de produção capitalista como decifrou Karl Marx, em sua até então insuperada obra. Mas se preferir uma abordagem filosófica burguesa, é o conflito de ideias que opera transformações na realidade, como asseverava o outro gênio alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Fontes bem apontadas pelo ex-prefeito.

A polarização, o conflito, a luta política radicalizada que vemos nos últimos anos, não é mera expressão da vontade dos agentes políticos, mas decorrência do aprofundamento das desigualdades, é uma luta entre os interesses de muito poucos que acumulam a imensa maioria das riquezas e os interesses dos 99% que penam em diferentes graus pela sobrevivência. Esse aprofundamento das desigualdades em todo o mundo é produto das seguidas crises do sistema capitalista, e a cada resposta dada a essas crises, em especial desde os anos 1970, é gerada uma nova crise.

Os últimos dados estatísticos indicam que 90% dos brasileiros vivem com menos de R$ 3.500,00, ao passo que 0,1%, cerca de 20 mil pessoas, possuem em média R$ 151,5 milhões em patrimônio divido principalmente em imóveis e ações de empresas. No mundo, 1% possui a mesma riqueza que é dividida entre os outros 99%, e apenas 66 pessoas muito ricas possuem riqueza idêntica à soma dos 50% mais pobres.

Portanto, sem enfrentar o abismo social existente, que no caso brasileiro passa pela revisão das reformas neoliberais, pela reforma agrária, reindustrialização, destituição dos oligopólios financeiros da direção do Banco Central, entre outras medidas, a polarização radicalizada tende a não cessar.

É certo que o "nós contra eles" pode ser operado como retórica oportunista, criando falsas polarizações com base em fake news e a disseminação de ódio religioso, racial, ideológico, como fez Bolsonaro. Aliás, o bolsonarismo foi instrumento usado pelos muito ricos brasileiros para enganar grande parcela dos que sofrem com a prevalência das políticas neoliberais.

Mas fundamentalmente, a polarização não é o maniqueísmo do bem contra o mal, mas expressa interesses materiais objetivos, referentes aos quais, o "nós" são 99% da população global.

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