Marcelo Dutra da Silva
O clima está diferente e as chuvas, as árvores, as construções…
Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo
[email protected]
Que algo está mudado acho que ninguém tem mais dúvida, até quem nunca leu um comunicado do IPCC, sigla em inglês para Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), já percebeu que o clima está diferente. Sentimos isso aqui, em Pelotas, no sul do Brasil, e em qualquer outra região brasileira ou do mundo. São recordes de temperatura, escassez hídrica, ventos ciclônicos e chuvas torrenciais volumosas, que alagam áreas e expõem a vida das pessoas ao perigo.
Em Pelotas o fenômeno do alagamento é um velho conhecido. Áreas baixas planas e úmidas, incluindo os ambientes de margem ocupados e transformados pela expansão urbana sempre estiveram mais sujeitos a invasão da água em períodos prolongados de precipitação. Mas, foram alguns poucos fatores combinados no tempo que contribuíram para o agravamento do cenário, agora carregado de projeções assustadoras.
Pelotas cresceu sobre áreas úmidas e ordenou seu crescimento urbano na direção errada. Boa parte das decisões erradas tem como origem comum a reforma do Plano Diretor, em 2008. Foi a partir deste Plano que começamos a construir uma cidade sem qualidade, perigosa e vulnerável. Em 2010, ao iniciarmos a expansão na direção do Laranjal, substituímos o verde e extensas porções de áreas úmidas por espaços edificados impermeáveis. Perdemos a qualidade do bairro, com forte pressão nas matas e nas margens do Arroio Pelotas, que foi alvo de denúncias no Ministério Público, em 2016.
O crescimento da mancha urbana de Pelotas não foi acompanhado de estratégias preventivas e se deu sem planejamento. Talvez por isso, hoje em dia, seja tão difícil enfrentar questões de natureza socioambiental. Plantamos árvores de grande porte em calçadas e avenidas, árvores inadequadas ao espaço público, que não receberam a devida manutenção e ameaçam cair sobre nossas cabeças. E não está só chovendo com mais intensidade, também está ventando mais forte.
Pelotas vem experimentando rajadas de vento ciclônico e parece que algo mudou na frequência. Para quem lembra, fomos atingidos em maio do ano passado, sofremos ameaça em julho deste ano e novamente fomos atingidos neste mês. E não está descartado a ocorrência de outro evento até o final do inverno. Ventos intensos seguidos de chuvas volumosas podem repercutir efeitos catastróficos, incluindo prejuízos irrecuperáveis e perdas de vidas. Ventos fortes na presença de árvores malcuidadas oferecem perigo nas ruas, entraves no reestabelecimento da energia e qualquer pequeno acidente pode ser fatal.
Já que sabemos que o clima está tão diferente, não podemos seguir fingindo, a cada evento, que foi algo isolado, na tentativa de minimizar o acontecimento, com falsas esperanças de que não vai acontecer de novo. Vai acontecer! E o próximo pode ser pior. Então, está na hora de formularmos a nossa política de prevenção às mudanças climáticas, em que pese mudar nossa conduta de uso do espaço, em todas as suas dimensões e aspectos.
Não podemos (o poder público) continuar autorizando a construção de loteamentos, condomínios e outras infraestruturas em espaços remanescentes de áreas baixas, planas e úmidas do vale do São Gonçalo. O Poder Legislativo não pode continuar tentando flexibilizar a lei, com alterações esdrúxulas nos mapas do Plano Diretor, por exemplo, reduzir ou suprimir Áreas de Especial Interesse do Ambiente Natural. Tentou-se isso recentemente e só não se conseguiu porque foi encaminhado da forma errada. Na medida que ocupamos áreas úmidas, reduzimos a capacidade de fuga das águas, formando novos focos de alagamentos e enchentes.
Fico feliz que Pelotas esteja formando comissão para tratar das mudanças climáticas e talvez este debate nos leve a uma política de prevenção. Outros municípios estão buscando o mesmo e chegará o momento que o debate terá de ganhar contorno regional e a Azonasul é o endereço ideal para isso.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário