Artigo

O dia de 36 horas do médico

Por Paulo Rosa - Pediatra, psicanalista - [email protected]

O tempo médico não é o tempo cronológico. Este mede-se pelas horas que transcorrem, aquele é ditado pelo sofrimento do paciente. Este padecer se enlaça, assim se espera, com a competência do médico. Tal condição própria da clínica transcende, excede, está além do mero passar do tempo. Ela exige do esculápio uma disponibilidade emocional total, apta a captar, momento a momento, as necessidades explícitas e as ocultas ou disfarçadas, e mesmo as ainda não-conscientes do enfermo.
O tempo médico tem textura, densidade, peso, fatos a serem deslindados, esmiuçados, analisados através da lente profissional. Esta se constrói por meio de pesquisa, trabalho, estudo, informações. Mas, não só. Não basta ao médico estar perfeitamente atualizado sobre as últimas descobertas científicas. Ele precisa, além disso, saber usá-las como instrumento diagnóstico, como investigação profunda, e pacienciosa. Em simultâneo - tarefa maior - ele necessita facilitar a construção de um vínculo amistoso, e assim frutífero, com o paciente. Esta condição dual - saber científico e capacidade emocional - é a estrada por onde trilha o ato médico elevado.
Quando Michel Foucault situa, em O Nascimento da Clínica, 1980, a virada da Medicina em disciplina científica - isto ocorreu nos finais do século 18 para o 19 -, o francês defende, com acerto, que devemos essa transformação menos a avanços tecnológicos e, sim, mais a progressos conceituais, orientados, então, a novas percepções sobre os objetos de estudo, além de métodos de investigação e práticas institucionais agora aprimorados. “...Um olhar milenar se deteve no sofrimento dos homens”, diz. A partir disso, acrescenta, pág. 39, que a Medicina se expandiu, ela “não deve mais ser apenas o corpus (itálicos do autor) de técnicas da cura...envolverá um conhecimento do homem saudável... uma experiência do homem não doente e uma definição do homem modelo”. A partir dessa expansão chegamos, a passos rápidos, aos excessos da medicalização da vida, como é fácil verificar hoje, coisa que a argúcia hipocrática se move já, e com razão, a rebater.
Bem recentemente, a clássica relação médico-paciente passou a ser observada sob o ângulo comunicacional, como se pode ver em Competências Clínicas de Comunicação, 2012, organizado por Rui Mota Cardoso, da Universidade do Porto. Na obra, os autores destacam que “os doentes revelam a sua principal preocupação em apenas 24% das consultas” (pág. 123), um dado gritante, pois saber que três quartos dos pacientes não se sentiram cômodos para revelações, choca ao clínico. Consulta insuficiente, resultado precário.
O dia-a-dia do médico é poderoso em exigências. Estas cobram grandes desgastes emocionais ao exercer-se a Medicina. Ultrapassado certo limite, recai sobre o clínico estresse e, no extremo, burnout, ou seja, grave esgotamento emocional total, de corpo e mente e espírito e no âmbito social. Médicos adoecem. Grande novidade.

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