Artigo
O meu, o seu, o nosso café de cada dia
Por Neri Porto Fabres - professor
Logo que se sai do Mercado Público costeando a praça Coronel Pedro Osório, passando pelo prédio da prefeitura e atravessando o beco da Khautz em direção ao Calçadão, cruzando a Marechal Floriano entre o Banrisul e a farmácia Khautz, passando pelo magazine Mazza se enxerga o chafariz mirando à rua Sete de Setembro. Logo adiante, pela 7 de Setembro se alcança o Café Aquário na esquina da 15 de Novembro.
Nesta caminhada mudou muita coisa, mas ainda está lá o Café Aquário.
Ali era e ainda é o ponto de encontro entre os meus vinte e poucos anos aos sessenta e tantos. O Aquário é como uma máquina do tempo ajustada perpetuamente para o presente.
Não se pode imaginar o que já se passou por ali. Desde as brigas entre parlamentares pelotenses e dos torcedores do Brasil e do Pelotas ao encontro das melhores notícias com o Diário Popular, a rádio Pelotense, a TV Tuiuti e todas as outras fontes de notícias.
Houve de tudo. Marido em perseguição por esposa ciumenta, amante se declarando grávida, cliente ofendendo advogado, médico cobrando consulta, advogado defendendo homicida, promotor público acusando inocente. Tinha de tudo, até políticos falando a verdade.
Esses últimos sumiram de vez. Talvez não tenham sumido, a verdade é que se tornou relativa, depende de como o narrador a apresenta. Eu, vez e outra, venho a este nobre Jornal falar do Café Aquário por fazer parte do balcão, das mesas, da calçada e do ar que circula por todas as direções do ambiente.
Ali se consegue falar de política, sociedade, economia, futebol, jogos de azar, de guerra e paz.
Dia desses, estava eu construindo um prédio na praia do Cassino e numa noite sonhei que havia, na cobertura, uma baita cafeteria com vista para o mar, pensei até em colocar o nome de Café Aquário.
Claro, foi sonho. No entanto, bem que poderia ser realidade. O Cassino traz para dentro de seu perímetro toda a sociedade de Pelotas.
Pô! Por que não se tem uma filial do Café Aquário no Cassino? Pois é! Deveria ter. O Café Aquário tem coisas que não se vê em quase lugar algum.
Tem cultura, tem gente que entende de gente, tem uma atmosfera intelectual. Lá tem café com gosto de café, política com sabor de política, discussão acalorada com direito a réplica e tréplica.
Tem cheiro a cigarro, porque fumantes podem fumar ali. Tem paredes decoradas de lembranças, tem lobistas, doleiros, atravessadores, corretores de investimentos.
Tem pessoas. E elas agem como pessoas civilizadas, conversam entre si, dialogam, divergem e convergem em temas complexos. Verdade! Ali se conversa, coisa rara nos dias de hoje. O Café Aquário atravessa gerações, resiste ao tempo.
Como sou professor de História e conheço o ciclo do café e seu importante valor comercial, chego a crer que a nossa memória afetiva ainda exige o aroma do café dentro de alguns locais em que se possa reunir os mais variados entes sociais.
Parece-me que o Café Aquário entendeu isso muito bem e se apropriou desta nossa necessidade de conversar ao tilintar das xícaras sob o paladar do café passado na hora.
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