Celina Brod

O elefante no meio da sala que todos fingem não ver

Por Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Dessa vez pularei os relatos que costumo fazer em primeira pessoa e irei direto ao ponto. Tenho quatro mil caracteres e um Brasil complicado para espremer dentro de uma coluna. Um Brasil que desafia a pretensa vida inflexível dos conceitos. Chegou o dia em que a esquerda assume traços conservadores e a direita empunha táticas revolucionárias. A conservação do status quo, da ordem, do relógio de Dom João VI, do meio ambiente, das instituições e das vidraças do Planalto estão sendo defendidas por vozes da esquerda. Enquanto a direita bolsonarista, cuja imaginação foi inflamada até o delírio, vestiu máscara para derrubar o sistema, espancou a ordem a cavalo, depredou o patrimônio público, rebelou-se contra as regras de justiça e tentou implodir a democracia em nome de uma fantasia conspiracionista. Com frequência nos esquecemos que ordem e progresso não são de direita ou de esquerda, são valores que pertencem a todos brasileiros.

Eu não quero falar de conceitos e o velho apego das identidades. Quero tratar do elefante que está no meio da sala e ninguém fala, nem sabem qual o nome dar, o que fazer com ele ou como devolvê-lo para seu habitat. Toca-se o rabo, as orelhas, as trombas e as patas. Mas, essa coisa grande, pesada e visível continua ali, pulsante e existente. Ninguém fala porque estamos diante de um verbo, não de um substantivo. Estamos diante de um processo, não de um objeto. Uma constelação com pontos que formam esse fenômeno pesado, barulhento e estranho. Estou falando de algumas pessoas que estão completamente descoladas da realidade, indivíduos visivelmente adoecidos e transtornados por consumirem paranoia e mentira em suas pequenas caixas. Quando parte da população acredita em um mundo completamente alternativo, onde não se compartilha mais os mesmos sentidos, qual é o nome que se dá para isso?

Linguagem compartilhada é realidade e objetividade minimamente consentida. Nem tudo é mera construção social, se formos para esse lado, então tudo é possível e nada existe de fato. Basta que se vença a narrativa. A questão é, como resgatar essas pessoas, que pedem código fonte, que se ajoelham em estado de histeria, que colocam suas próprias vidas em risco e que acreditam que a grande mídia reproduz mentiras progressistas? Como acolher psicologicamente pessoas que foram levadas por uma reforma do pensamento, cujas táticas resultam em raiva, fanatismo e idolatria? Muitas delas estão profundamente emaranhadas na adicção desses sentimentos "anti-algo" e "pró-glória suprema". Enquanto o atual governo, que não ganhou com um pé nas costas, se preocupa em falar todes, brincando de acreditar que todos já não é um termo inclusivo, as ruelas digitais do jogo de linguagem das seitas bolsonaristas avivam as mentes com crenças alternativas.

Crenças que misturam gotas de fatos em um oceano de mentiras, forjando na imaginação de muitos um mundo onde todes será a nova língua, a autocracia da Venezuela vai se replicar nos gabinetes de Brasília, as igrejas serão fechadas e que os bolsonaristas da invasão são, na verdade, presos políticos. Tudo isso e sabe se lá mais o que dá para misturar e formar crenças que geram um caldo de esperança e medo. No debate filosófico, casos de manipulação são uma pedra no caminho do livro arbítrio. Se alguém é manipulado com falsas crenças que justificam sua visão distorcida, essa pessoa pode ser responsabilizada pelo vício que pratica? Eu não tenho resposta. Alguns acham que se resolve chamando todos de "fascista". Aí lembro das ondas de rádio, comandadas por radicais Hutus, que provocaram uma chacina na mente de pessoas simples. Não sei a resposta. Mas, percebo que estamos diante de um problema que transbordou a borda política. Estamos diante de um problema social e precisamos pensar em como devolver essas pessoas à realidade, o único lugar onde é possível concordar, seja na esquerda ou na direita, sobre o significado da palavra democracia.

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