Celina brod
O que você fez para ser melhor hoje?
Celina Brod
Mestre e doutoranda em Filosofia, Ética pela UFPel
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Entre todos os animais, somos os únicos preocupados em sermos melhores. O pato só quer ser pato e a vaca só quer ser uma vaca deixada em paz. Desejar ser melhor só é possível para uma mente que consegue imaginar coisas como o futuro e o progresso, ou seja, uma mente que pensa o tempo enquanto vive o presente. E qual é o problema em imaginar o eu como uma argila em direção ao aperfeiçoamento? Além de sorrateiramente alimentar a ansiedade crônica em que nos habituamos, há a promoção da ideia de que a existência é um projeto em busca de uma imagem melhor e perfeita.
O problema não é querer ser melhor, não podemos, nem devemos deixar de lado o desejo de buscar uma boa vida. Deveríamos querer sermos melhores quando a vida se torna uma repetição de hábitos sem propósito ou quando até mesmo dormir, uma ação tão simples quanto necessária, não é mais possível sem um remédio que nos dê um nocaute. A mente não dorme porque calcula o que deixou de fazer e o que ainda não fez, não consegue se aquietar em ir sendo. Os pensamentos parecem sentados em uma gangorra barulhenta de uma praça em movimento. Morremos de vésperas a cada minuto que pensamos no tempo. Entre reels e Rivotril, as telas, com assuntos de um minuto, substituem a ansiedade pela risada fácil, a curiosidade inútil ou o conhecimento efêmero.
Meu tempo em Providence está acabando. Próxima coluna já estarei em solo brasileiro e ainda não encontrei todas as respostas sobre fanáticos e suas crenças. Mas, posso afirmar que todos eles idealizam um melhor e estão dispostos a fazer o pior dos piores em nome de um melhor que lhe venderam. Apenas uma mente que ignora o seu próprio caos, sofrimento e ignorância tem certeza dogmática do que é melhor para os outros e para sociedades inteiras. Não condeno, todo bicho foge da dor e não há dor pior do que sentir o desamparo de ser parte finita de um universo infinito que não vem com respostas prontas. No meu ver, o problema é querer ser melhor antes de tentar descobrir como é sentir o que se é primeiro.
"O que você fez para ser melhor hoje?", diz o vendedor digital de comportamento, lhe convencendo de que a sua vida está no vermelho. Como se a existência fosse uma empresa, eles mercantilizam as próprias vidas como uma fórmula que deu certo, um modelo que extinguiu os cinzas, as dores e o medo. Passamos do clichê "vista a camiseta da empresa" para "vista a camiseta de você mesmo". Não estou fazendo uma apologia à resignação, também busco prazeres e aperfeiçoamento, tenho minha cota de narcisismo e na maioria das vezes sei evitar a dor, minha implicância é com essa religião moderna chamada autoaperfeiçoamento. Ao invés do trajeto árduo do autoconhecimento, que faz você olhar para o que te dá mais tristeza, os pajés digitais da vida perfeita vendem uma linha de chegada de uma corrida que nem aconteceu. O prêmio é de plástico e derrete fácil. Sinceramente, essas promessas deveriam vir com um asterisco dizendo: "isso é uma mensagem meramente ilustrativa".
Se existe alguma possibilidade de sermos melhores, e por melhor aqui imagino pessoas menos ansiosas, mais criativas, flexíveis, atentas, livres e afetuosas está nos personagens imperfeitos e angustiados da nossa própria história. A melhoria ocupa espaço quando criamos coragem de olhar para dentro e relatamos nosso caos em voz alta para uma escuta profissional, que nos revela o medo que temos de sentir e viver porque passamos a vida acreditando naquilo que deveríamos ser.
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