Sergio Cruz Lima

O uirapuru

Por Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Às vésperas de 2023, habitante temporário do Nirvana, não vou falar sobre a cara feia do clima político nacional. Não vou falar sobre o presidente da República que assume nem sobre aquele que entrega o cargo. Vou falar sobre um pássaro considerado lendário: o uirapuru.

Vivendo na região norte do País, o uirapuru habita, na Floresta Amazônica, a parte baixa dos seringais. Agrupa-se aos casais e raramente é visto porque exige, para viver, condições ecológicas intermediárias entre as do seringal seco e do úmido. Alimenta-se de insetos, razão pela qual não se pode adaptá-lo ao cativeiro. Jamais se lhe conseguirá ministrar dieta proteica adequada, semelhante à que está habituado a ter quando em liberdade. Além disso, as características especiais do clima amazônico tornam quase impossível que se acostume em outros ambientes. Seu canto somente acontece cerca de 15 dias ao ano, sempre ao nidificar. E apresenta variações: se for bem rápido e curto, anuncia a posse de território; se for longo, melodioso, revela os impulsos sexuais e quer procriar. No fim do trinado, o uirapuru emite ainda uma sucessão de sons guturais. Seu canto é uma expressão delicada, imitando as notas de uma flauta, que se ouve com pouca intensidade. É completamente diferente do de qualquer outra ave e causa espécie que se encontre na natureza som com tal pureza musical. A fêmea também canta, mas seu trinado carece da desenvoltura do macho.

A lenda conta que, quando o uirapuru canta, os demais pássaros permanecem em silêncio. Mas isso tem explicação científica. Nas matas nas quais ele vive, há um tipo de formiga, a taoca. Após um período de seca, em que esses insetos andam em pequenos grupos, eles se reúnem em grandes bandos, logo que as chuvas caem, anunciando a primavera. As taocas atravessam a floresta e, como são carnívoras, destroem todo ser vivo que lhes caia ao alcance, desde que de pequeno porte, por óbvio. Os de tamanho regular, mesmo assim, temem essas possíveis devoradoras. À passagem do grupo devastador, os outros insetos e as larvas se alvoroçam, saindo de seus esconderijos, a fim de lhes fugir à senha. Os pássaros, então, acompanham o cortejo, alimentando-se dos insetos e lagartas em polvorosa. O uirapuru não faz exceção. No entanto, ele é o único que canta na ocasião, pois os sons que emite são a expressão de um apurado senso de posse territorial, e não a manifestação de impulsos amorosos, como ocorre com as outras espécies que com ele coexistem. Esta é, pois, a razão de o uirapuru, mesmo alimentando-se dos insetos, cantar, enquanto os demais pássaros se limitam a devorar os insetos e larvas.

Cabe frisar que na Amazônia há cerca de 40 aves de outras famílias, de colorido bonito, às quais também se dá o nome de uirapuru. Nenhuma delas, porém, se identifica ao legítimo Leucolepis modulator. Sobre os poderes sobrenaturais que se lhe atribuem, crê-se que uma palhinha do ninho, colocada pela mulher sob o travesseiro do amado adormecido, o tornará fiel e apaixonado pelo resto da vida; uma pena da ave, levada pelo homem, deixa-lo-á irresistível a todas as mulheres.

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