Eduardo Ritter
Para cada decisão, um universo de possibilidades
Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Assisti dias desses ao filme Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo, vencedor do Oscar 2023. Como havia ouvido maravilhas do longa, acabei me decepcionando um pouco, apesar de adorar a ideia de metaverso, realidade paralela, efeito borboleta, etc. Cada vez que vejo um filme que tenha esse viés, fico me questionando todas as decisões que já tomei na vida até o momento. Imagino que em outro universo paralelo, por exemplo, um Eduardo Ritter focou nos treinamentos quando era novo e se tornou jogador de futebol. Sim, porque quando eu era novo eu jogava mais do que Thiago Santos, Lucas Silva, Bressan, Bitelo e tantos outros pernas de pau que vestiram a camisa do Grêmio, meu time de infância. Além disso, em um terceiro universo, pode haver uma versão impossível de ser imaginada por quem me conhece: um Eduardo Ritter colorado.
Há outras decisões que tomei na vida que poderiam ter sido diferentes: e se eu não tivesse cursado Jornalismo? E se eu não tivesse feito mestrado e doutorado? E se o meu amigo Tiago Beck não tivesse me ligado numa noite de sábado para me convidar para ir num baile de formatura onde acabei conhecendo a mãe da minha filha? E se meu pai não tivesse conhecido a minha mãe em um trem meio século atrás? Enfim, são tantas as realidades possíveis que cada decisão que tomamos justificaria a existência de trilhões de universos paralelos.
Agora, por exemplo, estou começando a programar um possível pós-doutorado. São tantas possibilidades que sinto uma leve vertigem ao imaginar o que pode acontecer. Afinal, essa escolha aparentemente simples vai afetar completamente o futuro da minha filha, que pode estudar durante um ano na cidade A, B ou C ou, ainda, no país X, Y ou Z. E se dessa experiência ela conhecer um dos amores da vida dela? E se ela não se adaptar e sofrer bullying? E se ela gostar e no futuro decidir voltar para lá (lá onde??) para viver o resto da sua vida longe do garrão do Rio Grande, onde vai estar seu velho pai? Não sou dos mais religiosos, mas nessa hora até eu acabo concluindo: segura na mão de Dios e vai embora!
Nas suas memórias, Erico Verissimo (1905-1975) traz reflexões interessantes sobre como tomamos tais decisões. Ele divaga sobre o assunto ao falar sobre a origem da ideia de escrever a sua maior obra, O tempo e o vento: "Quando teria ocorrido pela primeira vez a ideia de escrever uma saga do Rio Grande do Sul? Em 1935, quando meu Estado comemorou o primeiro centenário da Guerra dos Farrapos? Não sei ao certo. Não creio que ideias como essa nos caiam na cabeça com a força súbita de um raio. É mais provável que comecem de ordinário com uma nebulosa de origem ignorada, que se mistura com as outras que povoam nossos misteriosos espaço e tempo interiores e aos poucos vão tomando a forma dum mundo". De certa forma, é isso. O velho Erico Verissimo, mais uma vez, matou a charada: tomamos as nossas decisões em grande parte a partir de uma equação envolvendo nossas experiências, sonhos, expectativas, medos, projeções, traumas, razões, alegrias e tudo o mais o que envolve os nossos sentimentos. Só espero que, ao contrário do que acontece com a protagonista do filme, nunca apareça um "eu" de outro universo me chamando para tentar salvar o mundo.
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