Paula Mascarenhas
Pela autonomia dos municípios
Ao promover a redução do ICMS para gasolina, internet, serviços de telefonia e energia elétrica, em julho do ano passado, o governo federal acionou uma bomba relógio. A queda nos preços surtiu um alívio momentâneo nos bolsos dos brasileiros. Por outro lado, um tsunami se formou com a queda das receitas públicas e atingiu em cheio estados e municípios. Nas cidades, onde as pessoas vivem de fato, esse reflexo é ainda mais grave. Com cada vez menos recursos, os prefeitos estão com dificuldades de executar serviços básicos.
Em municípios com cobertores já curtos, como é o caso de Pelotas, o dano é mais profundo. Em 2022, tivemos cerca de R$ 60 milhões a menos do que o previsto no orçamento, o que provocou uma corrida para fechar as contas. Aliado a isso há as despesas obrigatórias, como o déficit da previdência, precatórios, entre outros. Como consequência, fomos obrigados a financiar o 13° salário dos servidores e reter o pagamento de fornecedores, o que provocou a paralisação de alguns serviços, com reflexos ainda hoje.
Além da bomba relógio, novas minas explosivas foram colocadas no caminho dos municípios neste período. A criação de pisos salariais de categorias profissionais, que obviamente são importantes para a população, como é o caso da Enfermagem, podem provocar rombos ainda maiores nos já combalidos cofres públicos. Sem previsão de verba federal para atender a essas demandas, as prefeituras não têm como suportar novas responsabilidades, sem deixar outros serviços desguarnecidos.
Os municípios são punidos por um sistema centralizador. No bolo tributário, a União detém cerca de 55%, os estados ficam com em torno de 30% e os municípios dividem o resto. Por mais que a nossa arrecadação própria aumente, ela não é suficiente para dar conta das responsabilidades sempre crescentes.
Pelotas destinou para a saúde, ano passado, 18% do orçamento, percentual acima do previsto constitucionalmente, que é de 15%. No entanto, com o fim do programa Mais Médicos e as restrições da política pública que o sucedeu, abriu-se um déficit desses profissionais nas Unidades Básicas de Saúde de Pelotas. Agora, com muito esforço e adequações, conseguimos aumentar a hora paga à categoria e essas vagas estão sendo preenchidas. Já a rede pública hospitalar da cidade está colapsando com a defasagem da tabela SUS e uma estrutura de financiamento inadequada. São mais de 2,7 mil cirurgias na fila de espera. Recentemente tivemos de agir para auxiliar o Hospital Escola, uma instituição federal, na busca pela recomposição do quadro de anestesistas, para que os procedimentos sejam retomados a pleno.
Na educação, repassamos 28,97% do orçamento em 2022, enquanto a obrigação é de 25%. Novamente, numa decisão de cima para baixo, sem previsão de aporte financeiro, impuseram aos prefeitos a tarefa de zerar a demanda de vagas da Educação Infantil ainda neste ano, quando a meta estabelecida era de 50% até 2024. Algo necessário, claro, mas uma missão quase impossível: absorver mais de 1,6 mil crianças de uma hora para outra. Com muita criatividade, estamos tentando resolver com convênios e a abertura de novos espaços.
No transporte coletivo, atingido pela pandemia, tivemos de liberar recursos do Município para que o serviço não parasse. Recentemente, verbas federais foram destinadas como compensação das perdas, mas o dinheiro tem prazo para acabar e, possivelmente, essa conta baterá novamente na porta do Paço Municipal. As histórias se repetem na assistência social, na habitação, na segurança pública, entre outros.
A lógica tributária precisa ter foco no ser humano e seus efeitos devem ser direcionados para o local onde ele vive. Garantir que as pessoas tenham dignidade e que possam ter acesso a serviços públicos eficientes é básico. Precisamos de uma reforma profunda deste sistema tão injusto, que tanto sufoca os municípios e prejudica, principalmente, os mais vulneráveis. Temos ideias, temos projetos e temos propósito: falta-nos a autonomia necessária para executarmos tudo isso na plenitude. Que o Brasil tenha maturidade política para promover essa transformação.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário