Marcelo Dutra da SIlva
Por que os banhados queimam?
Marcelo Dutra da Silva
Ecólogo
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Banhados de forma geral - como são normalmente descritos na literatura, por diversos autores -, são sistemas úmidos complexos de interação solo-água-planta, que representam zonas de transição, onde água, nutrientes e o fluxo de energia se encontram para produzir um ecossistema único e indissociável, que se caracteriza pela natureza do solo, hidrodinâmica, riqueza orgânica e vegetação típica.
Os banhados estão entre os sistemas mais raros e produtivos do mundo e entre os mais ricos em biodiversidade, que abriga diversos serviços ambientais, incluindo benefícios de interesse humano, como: armazenamento de água e proteção contra alagamentos e enchentes, em áreas urbanizadas; estabilização e contenção da força erosiva no ambiente de margem; retenção de nutrientes, sedimentos e poluentes; recarga de aquíferos profundos; regulação térmica e sequestro de carbono. Também, são atribuídas a este tipo de sistema funções econômicas de fornecimento de água, de ciclagem de nutriente, suporte à pesca e turismo; além das funções culturais, históricas, artística e religiosa, com singular significado para a vida selvagem e tradições locais.
Embora as áreas úmidas sejam reconhecidas como o ecossistema mais rico do planeta, elas estão fortemente ameaçadas e desaparecendo três vezes mais rápido do que as florestas, de acordo com a Global Wetland Outlook, divulgado em 2018, pela convenção de Ramsar (esforço global pela conservação das áreas úmidas que começou há mais de 50 anos, conhecida como RCW _ Ramsar Convention on Wetlands). De acordo com a convenção, as áreas úmidas oferecem lar para 40% das espécies de todo mundo e fornecem água e alimento para mais de um bilhão de pessoas; chegam a absorver e estocar 50 vezes mais carbono atmosférico que as florestas tropicais e é o tipo ambiental mais degradado na era moderna da humanidade mais de 80% do território úmido já foi alterado e/ou pressionado nos últimos 300 anos, de acordo com o relatório Planeta Vivo da Rede WWF. Na prática, pessoas passarão a vida e jamais irão conhecer uma área úmida de perto.
Por aqui é diferente, estamos cercados de banhados e boa parte da nossa cidade foi edificada sobre eles. Aliás, esta relação tem se mostrado bastante problemática. Com a crescimento da cidade, mais áreas úmidas são sobrepostas pelo espaço edificado, que ao impermeabilizar os terrenos literalmente acabam com os serviços ambientais mais importantes deste sistema, aumentando os riscos de alagamentos, de prejuízos materiais e perdas de vidas humanas, com a ocupação de áreas vulneráveis e sensíveis à formação de enchentes. Mas agora estamos conhecendo uma outra condição perigosa.
Banhados acumulam grandes quantidades de matéria seca, que sob condições favoráveis, de baixa umidade e longos períodos de estiagem, queimam com facilidade. Basta uma pequena faísca, um raio ou uma fogueira de pescaria abandonada para um grande incêndio se formar. Às vezes queimam hectares inteiros, como já vimos no Taim, ou áreas bem menores, como nos episódios recentes, no entorno de Pelotas. O fato é que ao queimar, a vegetação de banhado libera fumaça tóxica, com elevada concentração de carbono e outros elementos, que levados pelo vento podem produzir efeitos respiratórios graves nos que vivem imediatamente próximos das áreas atingidas pelo fogo ou pelos mais sensíveis, mesmo que a maiores distâncias.
O fogo em banhados provoca danos que são de fácil reversão. Normalmente o estrago é superficial e em poucas semanas a área queimada rebrota e a fauna se restabelece. Os danos são maiores quando aterrados e a condição natural de área úmida produtiva e rica em biodiversidade se perde. Por isso que construir sobre áreas de banhados é uma estratégia ruim. Por outro lado, com a tendência de períodos cada vez mais secos no verão, é possível que os banhados que nos rodeiam queimem com muito mais frequência. Vamos acompanhar!
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